quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

O verdadeiro sentido do natal

-Dan-

O natal virou uma festa do consumo! As famílias se esqueceram do significado do natal: a celebração do nascimento do menino Jesus! Eu, porém, que sou um iluminado, quando tirei os 25, 90 da minha carteira para comprar o perfume da minha avó, lembrei do aniversário de Jesus, citando-o nominalmente inclusive, em pensamento, que foi: “Jesus, como os perfumes estão caros!”Não sei muito bem porque se pensa que Jesus e consumo não combinam. Ora, pois, ele, que como dizem as escrituras, gostava de um bom pão e de um bom vinho, multiplicou os peixes e até ressucitou o Lázaro, satisfazendo o maior sonho de consumo que um ser humano pode ter. E o que dizer da Última Ceia, de Leonardo Da Vinci? Nunca ouvi alguém recriminar Jesus e os apóstolos pela mesa nababesca retratada no quadro. Não sei não , mas aqueles copos, aquilo ali dentro sempre me pareceu de ótima qualidade. Um Borgonha, talvez. Um Chardonnay?Jesus podia ser tudo, menos um chato. Sabia comer, beber e até se vestir. E já nasceu recebendo pequenos luxos: mirra, incenso e ouro. Mas sempre tem um ou outro chatola, cheio de fraternidade e cachaça, que vai dizer que o consumismo é uma praga, que não faz parte da essência do natal e patati patatá. Normalmente é o sujeito que doa seu décimo-terceiro salário para um miserável consumir por ele, cheio de culpa cristã, a mesma culpa que o próprio Cristo não tinha. Ora, para cada Lázaro que ele ressucitou, quantos ele não ressucitou? E isso por um acaso o afligiu um tiquinho? Hein? Necas. O verdadeiro sentido do natal é esse aí mesmo, beber, comer e discutir sobre reforma trabalhista com seu cunhado, enquanto o chatola que odeia o consumismo desce para comprar um sal de frutas.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Ela

Esse tal de pub não pára de me entorpecer de emoções. Melhorou ainda mais após eu conhecer a Juliana; ah senhorita refinada, de fino trato, praticamente uma lady em meio a glutões como eu.
Ela ficou me olhando, meio de rabo de olho a noite inteira.. Cheguei e falei: - Gosta de nouvelle vague? - ela disse que preferia o surrealismo de Buñuel...O cão andaluz em meu ser correu então, chegou aos olhos perversos dela e em um breve momento a conquistou; olhei, beijei e no fim, um tapa! ela me deu tapa. Aceitei. Nunca havia gostado tanto de uma Juliana, ainda mais uma q bate! Julia, Juliane, Joana, todas, mas nunca Juliana...

Caso tenha ficado restrito a esse mausoleu de emoções causado por uma morena jambo me desculpe...
Ela merecia mais, estou agora ilícito declamando verso sobre ela sem o menor sentido... ela merece mais, ela é mais ela é... ELA

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Invadindo o sertão

Olho para minhas sandálias e vejo um par de alpercatas. Minha árvore de natal é um juazeiro definhado, de galhos torrados, retorcidos. Há em cada porteiro da Barata Ribeiro um jagunço em potencial, prestes a desembainhar seu facão e escalpelar o síndico como um preá. Isso é o que acontece com quem se mete com o tal regionalismo modernista. Imagine-me desalentado, com o rosto desfocado, dizendo: "Crianças, nunca comecem. É um caminho sem volta". As imagens da seca, das paisagens mortas, da terra vermelha e rachada fixam-se de uma forma na mente do indivíduo que mais parecem um assentamento do MST. Os esqueletos das cabras e jagunços erguem-se brandindo armas e reivindicando um pedacinho da sua cabeça, exatamente aquele que o funk e a maconha tornaram improdutivo. A redenção, porém, para um "sertanista" como eu, vem com Vidas Secas. Aqueles cangaceiros brutos que invadiram minha cachola depois de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" e "Grande Sertão: Veredas" têm suas rústicas cacholas invadidas por Graciliano Ramos. É um contra-ataque, um regôzijo, a doce vingança. Quebrar o sigilo psicológico do vaqueiro Fabiano ou da cachorra Baleia não expulsa os açudes secos e os seixos em brasa de nossas cucas, mas consola, mostrando que podia ser pior, bem pior. Essas imagens terríveis que se espremem num cantinho abandonado da minha imaginação são, para gente como o vaqueiro Fabiano, as únicas imagens possíveis.

-Dan-

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Cerimônia de encerramento


Primeiro, eu gostaria de cumprimentá-los, meus companheiros de crise. Sim, porque estamos na pior crise da história do capitalismo, dizem aquelas pessoas existencialistas, que vivem em crise consigo mesmo. Depois, eu quero que vocês, pessoas em crise, reflitam sobre o momento pelo qual estão passando, se é porque você não está com aquela tremenda enchaqueca ou será a hora de mudar mesmo de rumo, sua vida não tem mais sentido, filie-se ao Greenpeace e mude-se para Nova Zelândia.
Pessoas em crise, o sistema morreu mas nós, meros mortais, estamos vivos, não precisamos do sistema, já basta nossas crises internas, e olha que nao estou falando de politica. Seria interno no sentido de alma, mas não que tenhamos que vendê-la pelo poder, mas o que precisamos é de terapia, terapia da alma(parece que meditação tá dando certo no oriente), é isso que falta pra gente. Sim, porque dizem por aí que as maiores crises da História foram inventadas pelo homem: a queda de Constantinopla, o crash da bolsa, a crise do petróleo. Dizem que muita gente faturou com a suposta crise de 29. Será bendito? Para mais ou para menos, foi uma desculpa extraordinária para todo o processo histórico subsequente. Como explicaríamos milhares de suicídios, as queimadas em fazendas de café, Getúlio Vargas subindo ao poder.
Nunca, na história do homem, a não ser pelo entrave do estreito de Bering, onde centenas de ancestrais ilhados foram morrendo aos poucos, uma crise afetou tanto o caminhar da humanidade como a que estamos enfrentando hoje. Agora, que venha a próxima era glacial para esfriar os nervos dos esquizofrênicos homens pós-modernos.

Joao Vicente

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A (para) quem interessar

O maior desafio de um escritor e de um jornalista, depois claro de pensar numa boa história, é escolher as palavras exatas (precisas) para compô-la. Acho que é isso que faz um escritor ou mesmo um jornalista melhor do que o outro, entre outros aspectos, claro. Ao longo deste texto, tentarei mostrar (exemplificar) o dilema que ronda minha cabeça na escolha de palavras e pela qual todos que escrevem devem passar. As que estão entre parênteses são as que fiquei em dúvida entre a própria e a que a antecede. Por exemplo, a primeira frase deste texto poderia ser: O grande desafio de quem escreve, após logicamente elaborar o texto, é achar as palavras certas para fazê-lo.
O texto é a junção (união) de palavras. Para fazê-lo (escrevê-lo) bem, é necessário ter um repertório grande delas e também saber o significado exato das mesmas. Há dois exemplos ou contra-exemplos disso. Eu achava que uma cidade cosmopolita era uma cidade que exportava seus costumes. Quando não é. Já o Dan achava que quando uma coisa aumenta sensivelmente queria dizer um aumento sensível, pequeno. O que apesar de fazer lógica, também não é.
Por isso sou contra palavras genéricas, como por exemplo, coisa; tipo; isso.
Ex: O ministro anunciou, entre outras coisas, a reforma do hospital. Por que não, O ministro anunciou, entre outras medidas, a reforma do hospital? Ou se não forem medidas: O ministro anunciou a reforma do hospital, além de...
O grande (bom) escritor é aquele que sabe exatamente dar emprego à determinada palavra em determinada situação. E é o que eu espero e tento me aproximar de fazer algum dia.
Um outro exemplo que pode parecer bobo (raso), mas do qual me recordo até hoje: no primeiro período da faculdade, a professora de Gramática estava justamente explicando a diferença entre as palavras, e que não existem palavras que querem dizer exatamente a mesma coisa que outras. Senão, não haveria o porquê de existir mais de uma. O exemplo que ela deu foi o seguinte: Se a secretária deixa na mesa do chefe um bilhete escrito “importante” e outro com o título “imprescindível”, qual dos dois você lerá primeiro?
Acho eu que usar linguagem rebuscada não compõe (faz) necessariamente um bom texto. Sou daqueles que preferem a linguagem mais simples, porque, afinal, para mim ao menos, o principal objetivo de um texto é passar a mensagem; ou seja, fazer a comunicação emissor-receptor. Por isso, sou fã de Machado e Nélson Rodrigues e não consegui ler “Grande Sertão Veredas”, de Guimarães Rosa.
Para compor (redigir) um bom texto também é saber bem usar vírgulas, pontos, travessões e aspas, das quais sou fã. Mas isso fica (deixa) pra próxima.

Júlio

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Bom Dia, Rio

-Dan-


Hoje acordei pensando em Sérgio Cabral. Não exatamente na pessoa do governador, aquela figura rotunda e pimpona, mas em seu governo, seu misterioso governo. Foi um fato inédito em minha vida, já que nunca acordei pensando, quanto mais, pensando em governos. Meu despertar invariavelmente resume-se a bocejos e palavrões balbuciados. O primeiro pensamento do dia, que surge em média 5 minutos depois deste ritual, é sempre amargo e frívolo, como "espelho desgraçado!", ou " não aguento mais-não-sei-o-quê". Esse "não-sei-o-quê" pode ser até você aí, mas nada pessoal, às 6 horas da manhã até Jesus(Obama) me serve de bode expiatório. Estranho acordar pensando, e pensando em Cabral. Fosse em Cléo Pires, resquício de sonho, eu compreenderia. Mas Cabral ocupa minha mente tanto quanto a Ponte Preta, não por falta de interesse, mas por falta de notícia. Em quase dois anos no poder, o governador rendeu poucas notícias, para o bem e para o mal. Uma obra do PAC emperrada pelo tráfico, os hospitais na mesma de sempre, um tédio, que se fosse o tédio sueco seria muito bem-vindo ( - que tédio..ganhamos mais um nobel), mas é o tédio fluminense ( - que tédio...mais 15 adolescentes estupradas e mortas hoje..). Talvez eu tenha pensado em Cabral pela manhã bem cedo, porque minha cabeça opera mais ou menos como uma emissora de TV, que às 6 da manhã transmite um desenho animado de algum pônei afetado, sei lá eu. 6 da manhã não é horário para programas nem pensamentos nobres.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Rio, cidade do fim do ano


Seja ou não verão, a praia no Rio esquenta a cada ano. Os mais perversos sinais de arrebentação anunciam a chegada de dengue, enchente, avarias gerais de festejos urbanos.
E olha que pra lá pro norte o pessoal já se modernizou, elegeu um homem mais enxuto(ideologicamente), bem acabado, deixou o sobrevivente de guerra descansar em paz, coitado. Aqui, continuamos com aquele almofadinha típico das festas no Copacabana Palace, inaugurações na Barra, entre outros eventos. Como pode o carioca - foi picado pela burrice no verão passado -, deixou o poder para o mesmo típico político das chanchadas modernas. Um tipo meio praiano, meio executivo. Agrada a todos os gôstos... que tal?
Bom, depois da derrota do Gabeira, chega a vez de torcer pela filha, durante a temporada de ondas grandes que bate no inverno havaiano. Impossível acreditar que existe inverno no Havai, não é? Mas é verdade. Quem sabe a mangueira, finalmente, não ganha no carnaval? Quem sabe o reveillon seja mais família? Vamo vê se no natal a coisa será mais 'light', menos cilmão. Se encontrarmos um jeito de subverter as coisas, viveremos livres? A subversão é apenas uma face da moeda?
Eu devo confessar a vocês, leitores, que ainda ando com aquela utopia socialista-hippie de antigamente. Já, várias vezes, me peguei pensando nas criancinhas desabrigadas desse fim de ano, no derradeiro fim do ciclo anual da vida brasileira, onde a balança sempre pesa pro menos favorecido. Isto para mim, que dou o braço a torcer a esses calendários comerciais.
Eu não sei por que o fim de ano e início de verão no Rio é essa loucura, tudo vira um frenesi, como se todos entrássemos na mesma loja para comprar o último presente de natal restante e só saíssemos depois de fevereiro. A vida fica corrida: é décimo terceiro pra cá, férias pra lá. O ano no Rio só começa no início do verão, ou no fim do ano, quando todo o mundo já assentou a poeira ao lado de uma lareira e sentou para esperar encher as meias de natal.
Um dia eu vou me lembrar: "nesse fim de ano, não esqueça de dar para o seu pai um celular tal!", o máximo, com ele você pode falar vendo a outra pessoa e ainda saber onde realmente ela está. Pelo menos, até onde o sinal pegar.

Joao Vicente

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A respeito de cadáveres

A passividade política é uma das grandes conquistas da civilização. Depois de séculos, o homem chega ao auge do conforto e da praticidade na política, com a conquista do voto universal, que o isenta de ter que ir a audiências, comitês e foros, deixando essas tarefas a cargo de uma classe cinzenta e deselegante, a dos políticos. Liberado das obrigações públicas, o camarada passa então a despender seu tempo em coisas realmente importantes: produzir, ganhar dinheiro, observar o ciclo de reprodução de canários, Sex and the City, Seinfield, descobrir a cura da diabetes, e por aí vai. Uma sociedade próspera é, sem dúvida, uma sociedade politicamente passiva. Mas, obviamente, não se pode esperar pela docilidade de uma população que vive, por exemplo, sob um regime tirânico e corrupto, como a França pré-revolucionária. Trocando em miúdos, a tal da passividade política só é possível e desejável numa democracia representativa, este modelito que demoramos tanto para construir, e que volta e meia é posto em xeque por meia-dúzia de sabichões que juram ter descoberto um sistema melhor. É como se, criado o controle remoto, que nos faz passivos, obesos e felizes, um chato surgisse prometendo inovar com uma rebimboca que nunca funciona. Mas os chatos que desejo abordar agora são os que, em vez de trazer uma rebimboca, sugerem que tudo volte a ser como em 1950, em preto-e-branco e sem controle remoto. São os “ativistas”, que se esquecem que numa democracia moderna, existem instituições, cujos agentes recebem muitas vezes um rechonchudo vencimento, para que façam aquilo que não podemos fazer por falta de tempo e paciência. Esse pessoal do ativismo prefere ir às ruas por conta própria, do que fortalecer as instituições da democracia, indo de encontro à mesma; acham que resolver as coisas no grito é “democracia”. Primos dos ativistas são os “voluntários”. Os do Obama, por exemplo, são saudados como apóstolos, como novos cruzados pela imprensa mundial. Os do Gabeira, como heróis, mártires, argonautas da zona sul. Fala-se muito do renascimento da política, que poderia muito bem continuar deitadinha em sua cova fria, cinzenta e deselegante.

-Dan-

terça-feira, 21 de outubro de 2008

(Título à espera da autora)

A exclusividade se dá a quem escolhe ser exclusivo. Se você não recebe exclusividade, a quem você vai oferecê-la? - não acabou a territorialidade. Os homens que escolheram fazer xixi em qualquer poste. - O homem escolhe. Mas pra mulher não adianta ele escolher ela e tantas mais. É ela. Não ela + 5. - Cabe ao homem a atitude que a ele sempre vai pertencer. À mulher cabe ser escolhida. E escolher quem a escolheu. Se não acontece isso, acasos do destino, como tantos outros. Mas a verdade seja dita, às mulheres cabe o papel de sofrer. Elas podem sim dar o veredito final, mas quem dá o inicial... ah...isso são vocês homens. De que adiantaria a mulher se colocar no lugar dos homens e tomar armas para conquistá-los? Se a vocês cabem escolher-nos p que assim então, decidirmos, ou não, se sim ou se não.

Olívia

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

"...Na preza"


Horário comercial agora fecho cedo, tá dificil a vida aqui na Consolação. Aos canas eu agradeço o puxado, deu que adiantou no final das contas. Mas é que pra ficar a mercê desses aê, meu, prefiro fechar cedo. Tempo outro eu abria até fim de semana. Tinha um quartinho no mesmo prédio-galeria da Posse, a moça da recepção, Valeska, era delícia, ela gostava de uns afagos de vez em quando. Sabe como é, né companheiro? Eu é que não podia tirar os olhos da portaria, que já que ninguém morava lá - só sobrava eu - e o segurança noturno havia sido cortado, falei que até ficava mas desde que pingasse algum. Foi nisso que quando um bando tinha invadido sobrou pro mano da porta, amarram ele junto a catraca.
Mas onde que eu estava? Há, sim. Naqueles tempos era onça. Papo fiado na esquina rendia rolo pruma semana. Eu aqui na loja, apesar de ensejo de alguns advogados, tenho caminhado, sabe, causa de um adendo do seu Augusto - ele que é o proprietário. Fez uns acertos e conseguiu uns "incentivos" fiscais, oh, da hora. Veio a calhar. Mas, de todo caso, ainda fazia uns biquinhos aqui ou ali.
Chegava no ponto da van - eu tinha uns porta-retratos, uns cadernos, pegava do fim do estoque - tirava um trocado. Valeska me pressionava pro motel: - Agradeça ao doutor Augusto, sempre a diposição de me consignar.
Ainda to na idéia de que se não parar mais cedo, vou sair prejudicado. Só nesse mês já roubaram aqui um catatal de pertences do seu Augusto. As coisas do melhor refino, outras que vendo, e ainda pra ficar esperando se vão me reaver isso frente a polícia eu sou mais fechar mais cedo - deixo os bicos pro horário livre - e não me arrumo mais com bandido pra ficar de trelelê na proprina não.

Joao Vicente

domingo, 12 de outubro de 2008

A tal da revolução feminina

Júlio

Mulheres, parem, já chega. Tudo bem, vocês sofreram durante anos, séculos, com o machismo extremo, com o papel único de progenitoras e administradoras do lar, mas agora vocês estão passando dos limites. Está injusto. Desleal. A bola é toda de vocês. Até ela, antiga exclusividade masculina. Agora, o que restou a nós? O mero papel de vendedores dos nossos produtos. E a vocês, a simples escolha de consumi-los ou não. Tudo é tão fácil para vocês. Ou acham que é mole ficar bolando um papo interessante, esperar o momento certo de se aproximar, para, no fim, vocês darem o veredicto: "É, talvez. Esse produto que você está me oferecendo eu já tive e não funcionou muito bem. Mas, de repente um dia eu experimento." Isso quando muito, quando não, vocês têm a difícilima tarefa de mexer o rosto na horizontal para um lado e pro outro. Querem saber? Meu produto é caro também!
Atrasados e ingênuos são os que acham que saem com uma, e aquela uma é exclusiva sua. E sai com outra, pensando que esta não quer mais um outro alguém. Acabou a territorialidade. Vocês mataram o cachorro que fazia xixi no poste.
O "eu também quero gozar" nunca foi tão explícito. Ou melhor, vocês também ganharam o direito do "eu só quero gozar", privilégio, que nós, cachorros, tínhamos, como prova de virilidade. Por sinal, virilidade, tem tempo que não ouço essa palavra. Vocês, sorrateiramente, também devem ter dado um fim a ela.
Qual o nome que vocês dão a isso? "Revolução feminina"; "A vingança veste vermelho" "A revolta do batom"? Seja qual for, vocês fizeram bem feito. Provavelmente, enquanto a gente asssistia a Bragantino x XV de Jaú.
Vocês devem estar por aí, rindo pelos cantos, de nós, trocadores de lâmpada. "Hahahaha, acabamos com eles". Não tem mais graça. Tudo bem, mas da próxima vez, vocês pagam o motel.

Mistificações 1 (ou uma análise do sucesso de Duda Mendonça)

-Dan-


A história do homem é, também, a história das mistificações. Sempre quis começar um texto com uma frase de tamanho efeito, que me alça ao posto de especialista em história humana. Agora, os exemplos, para aumentar minha credibilidade: ora, pois, o que faziam os gregos, com seus mitos, suas odisséias de gigantes-de-um-olho-só? E o que fazem hoje os brasileiros, com seus mitos, seu anão-de-quatro-dedos-só? O iluminismo (falar qualquer besteira sobre o iluminismo “causa”!) nutriu a esperança bocó de que os mitos seriam varridos, dinamitados. Mas a ciência e a tecnologia se tornaram meios de propagar os mitos em tempo real. “O mito é o nada que é tudo” já dizia Fernando Pessoa. Já temos carros movidos à luz solar, mas ainda se discute se fulano é rebelde por ser de escorpião, criativo por ser de touro, etc etc...Em qualquer latitude, o grosso da população tem certa aversão aos fatos, à realidade. Isso exige apuração, rigor intelectual, ou que se mexa minimamente o traseiro. Muito mais fácil é olhar, boquiaberto, um demagogo cuspir verdades prontas e, bovinamente sussurrar baixinho: “Amém”. Não fosse assim, jornalismo daria dinheiro e o Duda Mendonça estaria na sarjeta, tomando Dreher nas biroscas do Catete . A vitória do marketing sobre o jornalismo é a vitória do mito, da retórica, da “religião” sobre o empirismo.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O gosto pelo torto

- Lucas -

Há algum tempo tenho alimentado afeição pelo imperfeito. Confesso que mudei ao longo da vida. Quando era pequeno, por exemplo, só me apaixonava pela menina perfeita, que possuía a beleza higiênica, irretocável. Para mim, o imperfeito é belo. Teve épocas em que cheguei a me interessar pelas gordinhas, tradicionais imperfeitas de corpo. Não me levem a mal mas minha namorada é um exemplo, ainda que diminuto, de como a imperfeição pode ser bela. Ela tem duas pintinhas ao lado da boca. Isso é uma vírgula, um tropeço, um descaminho estético, que para mim é absolutamente lindo, sublime. Sem esse “tropeço” sua beleza não seria completa. Que fique claro que as imperfeições, no âmbito estético, são deslizes e não aberrações como pintas peludas e dentes acavalados.
O fato é que as imperfeições são o sal do mundo. Imagine o tédio de uma cidade sem defeitos, feito casa de obsessivo por arrumação ou limpeza. Nenhuma almofada fora do lugar, nenhum pelo de cachorro voando impunemente, a cor da louça combinando com a da cortina. É simplista, admito. Mas imagine o que seria do rico se não houvesse o pobre, do Eu se não houvesse o outro.
Engraçado, pode parecer forçação de barra ou até loucura da minha parte, mas essa antítese entre perfeito e imperfeito está entranhada na disputa entre os candidatos à Prefeitura do Rio. De um lado está o Eduardo Paes. O que desde o começo esteve à frente na disputa, o que “conhece o Rio”, que tem “experiência e competência administrativa”, um político de centro, o preferido dos certinhos, o perfeito. Do outro, está o Gabeira. O azarão, o “seqüestrador subversivo”, o afeminado de tanguinha que defende a maconha, o de esquerda, o imperfeito. Na realidade, ele é o perfeito imperfeito. Não sei se já mencionei, mas há algum tempo tenho alimentado afeição pelo imperfeito. Quem pensa igual, digita 43 e confirma.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Pingos nos is

-Dan-

A esquerda (Lá vem ela de novo), quem diria, vai ter que engolir Eduardo Paes, o playboy, o dândi, o yuppie da zona oeste. Ou melhor, por ele será engolida. Parece que diante de um candidato diferente, moderno e liberal (Gabeira), os cérebros PCdoBistas, Petistas e Psolistas entram em pane e acabam optando pelo "normal", pelo "pragmático". Ou seja, tudo menos um revisionista. Tudo menos um filho bastardo, um Édipo Verde. Imagino que o ódio deste partidos e seus partidários ao candidato do PV vem de sua imagem de traidor da causa. E, pior, muito pior, um traidor que humilha os traídos com sua superioridade, com sua habilidade que deixa atônitos os ortodoxos traídos, aqueles que obedecem cegamente ao "partido". Essas viúvas olham para Gabeira com um misto de raiva e inveja, e cochicham nos salões de festa: "ele tucanou", "ele não é mais o mesmo". Pode ser que, formalmente, a esquerda nem apóie Eduardo Paes, mas nos bastidores, tudo vai se costurando. Lula, que detesta os dois, tende a apoiar Paes. Benedita já tratou de tomar um chá com o mesmo (o mais do mesmo). Mas tanto melhor assim, já que é bom ver Gabeira fazendo oposição a essa gente, à máquina petista, que difundiu a idéia, da qual Aécio Neves é o maior fiador, de que oposição é ruim para o país, de que a política conciliatória e tolerante é a mais eficaz, etc... De fato é bastante eficaz, que o digam os caciques do PMDB, sempre dispostos a ser da situação. Qualquer situação (principalmente as comissionadas).

Domingo verde

Júlio

Eu adoro eleição. Adoro o clima de eleição. Acho o maior barato ver as pessoas todas arrumadas para cumprir seu direito (e dever) cívico. Ver as senhoras e senhores com mais de 65 anos, estas sim cumprindo apenas um direito, indo acompanhadas ou não de seus filhos e netos para votar. Acho que o sentimento de votar é mais gratificante do que propriamente a importância do seu voto. Afinal, nunca houve um caso em cidades grandes que a diferença foi de apenas um eleitor. Sou contra, aliás, o fato de o pleito ser obrigatório. Sou contra qualquer arbitrariedade. Mas acho também que no Brasil não faria mais tanta diferença, visto que o povo já está tão acostumado a votar e não perderia esse sentimento cívico. Por falar nesse tal sentimento, este último domingo foi especial para mim. Acordei um pouco emocionado, confesso. Era o dia de levar ou melhor torcer para levar ao segundo turno um cara que admiro desde que comecei a me interessar por política e pela História recente deste país. E não só por isso. Acho que Gabeira foi um dos poucos daquela malfadada época que se atualizou, tem uma visão moderna de Economia e teve participação efetiva no Congresso. E que onda seria para o Rio ter o Partido Verde no poder. Voto no Gabeira desde que tenho esse direito, que dois anos depois, virou dever. Era como se meu time fosse jogar um domingo de final. E ao contrário do que acontece com o Glorioso Alvinegro, o Gabeira venceu (o Crivella). E bem. Confesso que não esperava tamanha adesão à sua campanha, já que o grande povo, infelizmente, não conhece a biografia dele. E ainda pesa aos ignorantes a (distorcida) imagem de bicha, maconheiro, terrorista. Acho que essa adesão, se deveu em grande parte a algo que há tempos não era visto nesta cidade, ou pelo menos, eu queria ver. Uma mobilização da juventude carioca em prol de um candidato. Seja por orkut, ou pelos que saíram às ruas vestidos de verde para votar, mais do que um voto eu percebi felizmente um envolvimento com a campanha. Fiz a ressalva do ''queria ver'' porque ao final deste mesmo domingo fui ao Baixo Gávea (vestido de verde, claro) para ver ao que seria a consagração e a festa da própria Juventude após a vitória sobre a Igreja. Imaginei o Baixo cheio, com pessoas vestidas de esperança, semelhante a quando o Rubro-Negro carioca vence. Mas, desta vez, sem aqueles cânticos insuportáveis. Ledo engano. O BG estava vazio. Mas, como sonhar não custa nada e esse sonho se torna cada vez mais real, gostaria que essa campanha virtual torne-se mais palpável e a juventude do Rio fizesse passeatas e um forte movimento social para eleger um dos caras que teve fundamental importância para aqueles senhores e senhoras lá de cima, bobões emocionados como eu e o resto da população pudessem ter domingos democráticos como esse.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A lama do vizinho e eu

Que a crise americana se agrava a cada dia todos sabem. A incógnita é como a merda do cachorro do vizinho irá feder na casa da gente, os pequenos burgueses tupiniquins. Navegando pela internet, vi a notícia de que, além dos tantos pedidos de socorro de bancos de investimento e seguradoras ao governo norte americano, a gigante dos softwares Microsoft também recorreu ao FED para estancar ferimentos da crise. “Que legal! O preço dos computadores irá baixar”, disse a um colega de trabalho, muito mais experiente e sábio do que eu. “Lucas, com todo o respeito, deixa de falar imbecilidade, garoto. Pensa direito no que você acabou de dizer”, respondeu-me, cuspindo. Ainda sem graça comecei a pensar.
O quebra-quebra dos bancos provoca uma enorme redução mundial do crédito. Ou seja, os empréstimos ficam mais escassos e com juros mais caros. Ninguém tá com colhão de deixar seu dinheiro na mão dos outros. Se o JP Morgan – um banco de 150 anos – quebrou, o que garante que outras empresas não terão o mesmo fim? A crise atinge nossas empresas e nossos bancos, já que muitos tomam empréstimos no exterior ou recebem investimento estrangeiro. Tendo que honrar seus compromissos num cenário financeiramente turbulento, as empresas iniciam os cortes de custos. É aí que a porca torce o rabo, como dizia minha saudosa vóvózinha. O corte mais manjado do mundo é o passaralho, a famigerada demissão em massa.
Na hora de demitir, você acha que vão mandar embora funcionários antigos? Claro que não, despesas com fundo de garantia desestimulam tal prática. Os estagiários, temporários e terceirizados (eu, tu, ele, nós, vós, eles) são os primeiros a lamber o chão frio e ingrato da rua. É aí que a crise tenta nos bolinar por trás e o cheiro da merda gruda no nosso bigode. Já não comemoro o insucesso dos americanos.
Enquanto o Brasil não sente esse tranco, o presidente Lula tripudia da desgraça alheia. Atitude pouco nobre de nosso governante. Sob o discurso de que somos uma “ilha de tranqüilidade em meio à tempestade”, Lula só falta dizer: “Bem feito, EUA, quem mandou pisar durante tanto tempo em nós, reles subdesenvolvidos. Agora amarga uma crise que tem parte da solução escondida na economia dos países emergentes”.
Como é sabido, o governo Bush tentou aprovar no Congresso um pacote de US$ 700 bilhões para salvar o sistema financeiro. Só que ele não contava com a rasteira que o pessoal de seu próprio partido iria lhe dar. A maioria dos Republicanos votou contra, denotando uma falta absoluta de poder do Bush. Na realidade, nenhum político queria entrar no mesmo barco que um presidente que tem meros 26% de aprovação da população. Seria um suicídio político às vésperas da eleição. Nesse sentido, se a crise fosse no Brasil, onde o presidente tem espetaculares 80% de aprovação, duvido que o Lula não teria dado um jeito de aprovar esse maldito pacote, quisessem ou não os senadores. Um gaiato mais sádico diria que ele iria aprovar nem que o PT tivesse que comprar os votos contrários, feito um mensalão aparta crise. Eu acredito que ele não precisaria disso, já que, ao contrário de Bush, votar no Lula está longe de ser suicídio.

Lucas

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Casal

Ele mora sozinho. Ela mora com ele. Ele sai todo dia para trabalhar às 8hs. Ela prepara o café pontualmente às 7h30m. Ele, quase sempre atrasado, pega uma maçã e um pão. Invariavelmente, na correria, ele esquece alguma coisa. Ora a maçã, ora o pão. Ainda tem a chave e a pasta. Muita coisa pra lembrar. Ela acha graça de ouvir sempre o mesmo barulho: a porta fechando e logo em seguida abrindo, com ele procurando um dos quatro itens que carrega. Às 19h, ele está de volta. Quando chega, tem por hábito ouvir um vinil. Não é um cara assim apegado às coisas mais velhas ou que acha legal ser retrô. Prefere apenas o som do vinil ao disco compacto. Acha mais limpo. Sempre escolhe um diferente, dentro de sua vasta coleção. Ela fica ansiosa para saber qual ele vai escolher. Adora o que ouve.
Nos porta-retratos, ele lamenta um passado que não volta. Ela vê a coisa mais valiosa de sua vida.
Ela gosta de culinária. Todas as noites, por vezes acompanhando o livro de receitas de sua ida mãe, prepara algo diferente. Quando a comida está pronta, ela o chama. Ele nunca responde. Poucos minutos depois, no entanto, aparece à mesa. Quando come tudo, é sinal de que gostou da comida, para satisfação dela. Quando não, sabe que precisa melhorar; evoluir.
Ele sempre se deita antes, cansado que é da vida. Ela, a mais feliz das mulheres, curte mais um pouco a noite. Ao chegar ao quarto, a cena que nunca se cansa de ver: o rosto dele dormindo é angelical, a reconforta.
Ele mora sozinho. Ela mora com ele.

Júlio

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Blackwater em Teerã

Na fronteira entre um campo gelado
e o mar plácido de utopia
congela nas trincheiras da minha guerra
interna
o tempo tácito de um fugitivo

observo os carros varando
as falanges de zinco
prestes a invadir meu céu em cores
vibrantes 
de fogos de artifício
corro pela cidade
de tiros perdidos

Ainda que sem país - pois meu lar é como o rio
- espraia na foz da tarde o que sou de verdade:
um pequeno burguês suicida 
à espera do armistício.


Joao Vicente

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

ô ô, onde você vai com essa máquina aí?

Nada tão autoritáro quanto um liberal no poder. Agora que as falanges parafrentex estão representadas no ministério da saúde, pelo ministro Temporão, pode-se perceber exatamente que o projeto dos moderninhos, dos liberais, dos progressistas é de um autoritarismo tão vulgar e desavergonhado que custa a ser levado a sério. Temporão propõs a instalação de máquinas de camisinhas nas escolas públicas. Assim, sem mais nem menos. Sem consultar as famílias. Sem consultar os professores. Para agradar sua base (a bacanada liberalóide), o ministro vai ao encontro da grande maioria da sociedade brasileira, que, conservadora, condena o sexo precoce. Sobre o assunto, há uma ótima pesquisa recente do Datafolha, que mostra que o jovem brasileiro é, em sua esmagadora maioria, religioso, contrário ao aborto e à legalização das drogas. É provável que, se amanhã ou depois, todas as escolas passarem a ter as tais máquinas, nossa conservadora maioria silenciosa silencie e acate a decisão. É a tradição brasileira, do conformismo, da sabujice. Mas o busílis, o x da questão, é que uma família conservadora rica pode escolher a escola que mais se adeque às suas idéias. As famílias conservadoras pobres terão que engolir a seco as máquinas, se estas saírem do papel. Aproveitando-se da popularidade imensa do governo, a facção liberal impõe sua agenda impopular. Na surdina. Sorrateiramente. Os ministérios da educação e da saúde foram tomados pelo lobby dos ditos progressistas. É uma parcela representativamente ínfima da população, que se aboletou no poder, e, por um misto de inépcia e covardia, optou pelo caminho mais fácil e menos democrático de divulgar sua ideologia, sua visão de mundo: o da tomada dos aparelhos do Estado.

-Dan-

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O significante e o significado

Não aguentava mais sofrer de amor. Não aguentava mais sofrer por sofrer de amor. Não conseguia pensar em outra coisa senão a dor do amor, que existiu intensamente. É difícil contar um histórica tão trágica em palavras. É melhor quando as palavras ao invés de contar uma história a substituem. O que lhe doía mais era a o verbo existiu, assim no passado. Queria substistituir a última vogal para o verbo voltar a ficar no presente. A substituição, no entanto, não cabia só a ele. O que estava à sua autonomia era extraí-la. A fez. Mais um que morre de amor.

Júlio

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Refexões a partir de um João

Eu sei que o assunto que se segue chega uma semana atrasado, mas permitam-me a regressão. João Gilberto é, definitivamente, uma figura peculiar. Não consigo me lembrar de outra "celebridade"que não conceda entrevistas. Atualmente, na sociedade midiática, é impensável que uma personalidade (acho que é sinônimo para celebridade, na verdade, as duas palavras são superficiais, como o termo que definem) não fale com a imprensa, não dê um pitaco sobre política, ou meta o dedo na escalação do Dunga. O João me leva a pensar duas coisas. Distintas e intrigantes. A primeira me remete a uma professora na faculdade que disse em sala, certa vez, que as pessoas podem chegar ao orgasmo por outros meios, que não o sexo. Os alunos rimos. Ela se explicou melhor. Não é o orgasmo físico, ejaculaçao, para ficarmos no termo mais polido. É um orgasmo, no sentido, de êxtase. O exemplo dado, foi o de um pianista com uma soprano. Entre eles, depois de tantos ensaios, quando se chega à perfeição, a satisfação dos dois com a música e o momento é plena. O João trata a música como sua obra, sua arte, seu êxtase. Não gosta que falem nos shows para não atrapalhar a obra, porque para ele, naquele momento, não é ele o protagonista, muito menos a platéia mas sim, a música. O que sai de sua voz e seu violão. Isso, na verdade, eu deduzo, já que ele não fala.
A segunda reflexã0 partida de João é a seguinte: pra que ele precisa falar? Eu, honestamente, não tenho essa necessidade de ouvir ele falar. Pra falar sobre o quê? Sobre a política externa, sobre o Lula, sobre o Pré-Sal, sobre por que não gosta de falar? Não precisa. Imagina, o João finalmente dá uma entrevista e conjuga os verbos errados, fala que é Flamengo e que queria a volta da ditadura. Não precisa.
Fico imaginando se um jogador de futebol, por exemplo, faz o mesmo. Informa que não fala com a imprensa simplestmente porque não tem o que falar. "o interessante em mim é o meu jogo". Não é mesmo? Às vezes, nem isso...

Júlio
de volta

O apartamento 203

Num piscar assim em pasmo
de olhos ao espanto
bateu a porta ao lado
aqueles belos cabelos ondulados.

Nao que tivesse olhado
ou mesmo tentado
tirar a atenção da minha porta
abrindo.

E vendo seus modos
de cobrir os olhos
sorrindo
volto ao meu estado calado
ainda escuros reparo
os voados cabelos lisos.

Tento um approach estabanado,
ganho no máximo um olhar tímido.
Paira então a dúvida entre uma vida casado
com mulher e dois filhos
e um alívio imediato
ao entrar em meu apartamento vazio.

Joao Vicente

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Bank of Buda

Tenho certa dificuldade em entender alguns ismos, leia-se: budismo, taoísmo e todos estes orientalismos, acredito que pelo caráter altamente abstrato e especulativo destes.Assim como um lutador de jiu-jitsu, que sempre procura levar o adversário para o chão, sua especialidade, eu procuro também trazer essas correntes filosóficas para a vida concreta, para o cotidiano, para o chão. Sou o Walid Ismail da filosofia. A noção budista de que só o presente importa, por exemplo, para mim traduz-se nos juros do meu cartão especial. Se eu fosse menos budista, não gastava aqueles 100 reais no bar. Mas o valor que dou ao presente me tornou um budista, pior, um budista falido.Já o significado do Tao é, por definição, inalcançável. Diz lá no famoso livrinho:”.........................” , ou seja, buscar a compreensão deste troço é o mesmo que enxugar gelo, apostar corrida com a própria sombra ou...quitar as dívidas no banco. Ler “Orientalismo” de Edward Said, da mesma forma, só me gerou dúvidas: “como pode alguém cair nesse papo-furado?” “Como consegui chegar à pagina 120 dessa porcaria?”. Para a teoria do livro, de que o ocidente é o grande culpado pelos males do mundo, pela violência do Irã, pela brutalidade dos grupos terroristas, etc e tal, só pude encontrar um paralelo na minha humilde cabeçola ocidental. É quando coloco a culpa sempre no outro, isentando-me de qualquer responsabilidade sobre meus atos. Assim como Said demoniza a cultura ocidental, eu costumo sempre demonizar o gerente do meu banco, os juros escorchantes, os caixas eletrônicos (aliás, malditos caixas eletrônicos!!!), tirando sempre de minhas costas o peso incômodo da incompetência para gerir minhas finanças.

-Dan-

sábado, 30 de agosto de 2008

Dúvida

Desculpa a ignorância, mas a "nossa" entrada ( vide, postada), é condicionada mediante aos "novos meninos da vila" de 2002, como robinho, diego, elano, alex... ou é referente ao time vice-brasileiro frente ao fogão? Aquele mesmo, do giovanni e com o gol legítiimo do marcelo passos... Por mim, a squadra dos sonhos repetidamente escalada pelo meu pai é a que vale: Mengalvio, Dorval, Pepe, Coutinho e Pelé... ufa

Ainda bem que não faço a senha

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Retrato falado


Um dia Natália acordou a manhã e a pôs de pernas abertas para o sol. É assim: no quintal, todas as manhãs, Natália repousa o dia em cima de uma lata para os lírios acordarem. Logo em seguida, faz a brincadeira do primo com prima. Aves ensinavam o brinquedo "primo com prima não faz mal: finca finca".
Era uma criança peralta. Brincava de fazer comunhão com as coisas: fingia que espelho torto era lago, que horizonte era arame, que pedra era crepúsculo nascido para dentro de um olho de gafanhoto. Cresceu brincando no chão. De uma infância livre e sem comparamentos. Natália tem comunhão com as coisas e não comparação. Ela herdou de criança esta visão oblíqua e comungante com as paisagens. Por isso Natália entardece.
Tenho para mim que essa visão vem dela ter um íntimo enorme dentro do olho. Por motivo do íntimo não foi apenas de ver. Alem de ver, Natália tem visões, que são fantasias, coisinhas à toa, peraltagem. As coisas, como estão no mundo, de tanto vê-las dão tédio. Natália arruma novos comportamentos para as coisas do mundo. Seu quintal, por exemplo, é maior do que a cidade. É que o tamanho das coisas a gente mede pela intimidade que temos com elas. Há de ser como acontece com o amor.


Joao Vicente

sábado, 16 de agosto de 2008

Sou de bronze

Existe uma nova paródia: Sou brasileiro, logo sou de bronze.
É chato, é vexatório, mas é real. Cansei de ver e compactuar com todos esse blogs, sites, orkuts... Sinceramente, o quão fudidos nós somos?
Galvão Bueno... CHEGA! Vamos começar a reclamar! Essa merda de delegação, não ganha porra nenhuma, nem um confete.... Vamos tomar vergonha na cara , vamos assumir! Somos a reticência da história na China 2008...
Vou bater um papo com o pessoal do Vietnã e do Zimbabue para ver no que podemos melhorar... Ah, só pra avisar, eles estão na nossa frente...

Enquanto isso, sigo o Shoppenchauer, fico no pendulo macabro, entre o desejo e a conquista

Já que o meu desejo ainda não é recíproco, a conquista vai chegar... Mas isso é só no próximo conto, alías, que terá a companhia do velho Primo...( pra quem sabe)

Drosan Fa

domingo, 10 de agosto de 2008

O Mundo é um moinho

Parafraseio o grande Cartola ao começar esse texto/crônica porque, ao ouvi-lo, reflito: somos nós, jovens semi-adultos, ausentes de idolos? Cite agora, pelo menos duas, nem três pessoas que realmente signifiquem artisticamente a nossa geração? Eu não encontro...
Posso ser muito apocalíptico, mas ao me deparar com tal verdade, me consterno com o futuro. Sem nenhum remorso, revelo que o velho Cartola me acompanha ao voltar do meu trabalho, ao me desiludir com uma mulher... o velho mangueirense me completa... Sem contar que não existe parceiro melhor que sr.Bob para dar um rolé de long na orla carioca..
E ai fica a pergunta: E o que mais?! nada... Sinceramente, se algo como Casuarina, DJ Malboro, Cuenca e Bial são os ídolos contemporaneos, eu prefiro ficar com os meus: que são o Sandro Favarato, o Daniel Soares, o Lucas Vetorazzo, o João Vicente, o Julio Trindade e o Chico Trigo. Eles colocam a cara à tapa nesses blogs... pelo menos por enquanto... Porque você sabe, com diria o saudoso Cartola, o mundo é um moinho...

Dr. Favarato

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Aporrinhações de fins de semana


Domingão, Nelson decidiu levar a família para um passeio na Zona Sul. Saíram de Quintino, onde mora com a mulher, dois filhos e a cunhada, para Copacabana arrumar um almoço. Fim de semana é pra acordar tarde, somando o trânsito infernal da Avenida Brasil num domingo de sol e acabaram chegando tarde também no retaurante. Tá certo que o Opala ainda estava inteiro depois da viagem, mas achar uma vaga daquele tamanho acabou fazendo com que, no final das contas, arrumassem uma tremenda fila na churrascaria. Tentaram a primeira mas estava lotada, no mínimo conseguiriam uma mesa pro café da manhã do dia seguinte. Depois de andar uns dois quilômetros até uma outra mais perto, ganharam a senha de número 51 na espera.

- Kathyana, minha filha, tô quase desistindo. Vamos embora?

A menina, com uma cara mau humorada, não deu pista de que iria acatar. Saiu pra ver as vitrines enquanto os pais resolviam com a cunhada o impasse da espera.

- Garçom, não tem como agilizar pra gente não? Pode colocar nos fumantes.

- Olha, meu senhor, quanta gente fumando aqui. Isso parece um clube de poker.

O homem voltou-se para a mulher com uma cara irônica, ainda disposto a enfrentar todas as dificuldades.

- Que engracadinho ele, hein querida? Vou mostrar quem é que joga melhor aqui!

- Deixa, meu amor. Vamos esperar. Afinal ainda são duas da tarde, não estamos com muita fome assim.

Depois de muito esperar, de passar dois palhaços empinando bexigas para distrair as crianças atirando com pistolas d'água, de aturar um acidentado de cadeira de roda que passou a sua frente devido a comoção da esposa e um outro - este espertalhão - que, por engano, segurava a senha 64 entrando adiantado, ele protelou junto a recepção.

- Olha, isso é um absurdo. Eu estou há mais de duas horas nessa fila e ninguém me dá uma explicação desta demora toda. Um cara que chegou depois entrou na minha frente. Ainda por cima, mandam garçons destratarem os clientes.

- Meu senhor, calma. Esta churrascaria é uma das mais requisitadas da cidade. Ainda mais num domingo de sol como este.

- Eu não quero saber se é domingo de sol. Eu passei mais de duas horas no trânsito pra chegar aqui. Meus filhos estão famintos e eu quero uma mesa agora.

- Infelizmente ainda estamos no número 34, senhor.

Ele se segurou para não gritar, pois passar o domingo irritado não iria resolver nada, só antecipar o estresse da segunda-feira. Além da lei seca, a lei contra os fumódromos não veio a calhar ao bom humor dos cariocas. A curtina de fumaça na entrada do restaurante era cada vez maior. Não só por causa dos arrastões, mas também por culpa da lei, a calçada se transformou num verdadeiro perigo à saúde pública. A família toda estava quase tendo um ataque de bronquite na fila.

Volta e meia vinha um poeta, desses modernos, recitar uma de suas pérolas aos já impacientes amigos. Irritou muito, além do sem-vergonha se direcionando, cinicamente, a sua mulher. Falando não sei o que sobre Platão. O que levou Nelson a uma tentativa de homicídio com um prato de sopa na mão.

Já se passava das cinco e o recinto entupido não cedia nem uma cadeira, todas ocupadas. Viu que a firmeza e autoridade com que tratava os funcionários - ele que já foi militar - não iria muito longe ali. Talvez, quem sabe, com uma forcinha do destino as coisas possam fluir como a gente queira.

Numa de suas inúmeras idas ao banheiro, viu a lista de espera em cima do balcão dando mole. Tentou uma rabiscada de olho. Mas aí, chegou o garçom levando embora a prancheta a tiracolo, para que nenhum oportunista se aproveitasse. A mulher foi lá lhe perguntar, em meio a ação, o que era aquilo que estava vendo. Seu próprio marido dando uma de muleque frente aos outros.

- Mas o que é isso, amor? Voce está pensando em furar a fila do restaurante? Que absurdo, sai já daí, anda!

- Querida, nós estamos sendo burlados!

- Que mau exemplo está dando para os seus filhos.

- Vem cá, finge que está tendo ataque epilético!

(...)

Joao Vicente

terça-feira, 29 de julho de 2008

O meu filme

Pode parecer afetação, mas meu filme é "Doce Vida". Peraí, peraí, não disse que é meu filme predileto, mas meu filme, no sentido de que é meu, não só meu, mas ainda meu. Sendo eu um sujeito generoso, divido ele com as pessoas de meu tempo, de minha classe social e que se vêem refletidas ali naquela Roma e naquele Mastroianni canalha e vazio, mas não posso escrever por elas, não posso falar nem por minha mãe, muito menos por uma geração, como é de praxe se falar em certo ramo da nossa literatura ( um pescotapa metafórico em Zuenires, Heloísas e Elios). Após tanto rodeio, se o leitor ainda estiver em cima do touro, me acompanhe: não vou aqui expor a tese exótica que construí sobre Fellini. Temo que, após a exposição de minha interpretação genial de sua obra, esta perca importância, diante do brilhantismo da minha análise (o pescotapa agora é em todos os intelectuais que, com interpretações brilhantes, ofuscaram a obra dos interpretados). Tenho intenções bem mais modestas. Só gostaria de observar que se você não amadurece, não se torna adulto, depois de ver "Doce Vida", então, nunca mais se tornará. Fellini desconstrói o real e colore a falta de sentido da condição humana de uma maneira tal que, se alguém continua apegado às próprias certezas depois do filme, trata-se de um ciborgue, não um ser humano. Trata-se de alguém que precisa se beliscar.

-Dan-

domingo, 27 de julho de 2008

Do contra!

Sou contra textos grandes.
É isso
Sandro

Beijos

Beijos. Existe coisa mais linda e carnal? Sexo?! não vamos tirar o mérito do bom, velho e gostoso sexo... mas o beijo... AHHHH ELDORADO! O beijo!
Como eu queria apenas dar um beijo nela... Tão linda, meiga, sensual... Mas prefiro ficar aqui, cá com meus botões e linhas, a imaginar o que seria um beijo dela, essa menina mulher, com seus olhos cor de verve e corpo de leite.
Só sei que sou um homem de sorte. Tenho ela em meu olhar... melhor que vocÊ, que só tem ela em seu pensamento... heheh
Sou o amigo do bombom... sou prestigiado
sou eu
drosan... não... sandro... vocÊ
bjs

segunda-feira, 21 de julho de 2008

A Repartição das Chuvas


Quando alguém me pergunta, no leito de morte, do que aquela pessoa tinha morrido, depois de enobrecê-la a tal ponto de se levantar do túmulo, eu respondo que morreu de vida. Se fulano teve câncer, necrosamento, torção ou anemia falciforme, de que adianta? Morreu. Por isso que ao ver o galho caído de uma árvore, digo que ele morreu de árvore. Tem explicação não, o que sei é que caiu em cima de um fio de alta tensão. Agora eu pude ver que caiu mesmo, a luz e o galho.

Foi o Deus nos acuda, todo mundo correndo pela casa, tateando parede. Os gatos - aqueles dos fios de alta tensão - não existem mais, foram pro beleléu. Bem como lá em casa, aonde não se vê nem gato nem rato, partiram aos confins do apagão. Acendendo os vaga-lumes da virulosa madrugada.

A mãe correu, varou a cômoda no meio da casa, e interrompeu apertando o botão do interruptor da eletricidade. Parou os bolos da vovó também. Parou o mundo. E a gente se reuniu na cômoda do meio da casa para enfim programar o que será de nós daí para frente.

Eu esqueci do que tinha ali. Ora se. Os livros de além-mar do nosso avô. Portavam ar altivo na estante em frente à mesa. Asas daquele senhorzinho, pouco orfãos sim, e caros. Mas que chamavam atenção no tamanho. Os livrinhos do vovô eram maiores do que todos os livros do mundo. Impressionante.

Em grandes almofadões, nos arrumamos em roda para subverter a ordem do mundo, agora menor, do tamanho do livro. Veio um ao acaso; trazia das mentiras soluções, em meio ao caos generalizado. Provamos algo vacilante, que fugia dos sonhos para o meio da nossa roda, da nossa vida. Era Prozápio, hermético aventureiro e retirante da estória, que chegava a casa de volta da maior cruzada. Seu ofício: caixeiro viajante.

- Trouxe malas, Prozápio? Por que não fica para a noite? Veio a mãe com afago ao taciturno, por onde esteve deveras maltrapilho nas andanças, cansado e faminto.

- Era tudo que precisava, disse ele, sabe que não descanso há muito tempo. Tô morto pelas tabelas, mas feliz por chegar aqui.

Ao ressoar este suspiro apaziguante, Prozápio viu na casa um novo porto e parou, definitivamente, sem dar trela aos meninos com perguntas que enchiam a boca, e começou a mover sua mala para dentro. Aportado, ainda se estremeceu com as sutilezas da dona, a curiosidade também: cada vez mais cheios os olhos quase o engoliam, e muito animado já de antemão, trouxe consigo um martírio que jogou por cima do telhado, e arrefeceu aos encantos. Seu apreço até pagou um pedaço de bolo, ralo de dois dias atrás. Mas para ele que havia atravessado três desertos e uma estrada sem fim, era mais que um bolo ralo e insosso.

Esta estrada continua.

E, viajante como sempre, atropelara a barreira das aparências, trazia das mais instigantes invenções; encantou todas as crianças reunidas na sala com suas histórias, invadiu a escuridão adentro e trouxe luz aos corações inofencivos.

Disse que correu de tantos animais em montes, numa de suas desventuras, que parou em frente a um mastodonte sem chifres e balbuciou, baixinho, o suficiente. Foi o estopim da disparada; passando ao largo de mamulencos, babuínos, pterodáctilos, búfalos, leopardos; correu, correu, ele e o mastodonte, para longe, longe. Até parar e respirar, com sua cabeça desguarnecida de marfim, e entre uma bufada olhou no fundo do horizonte. As mais belas noviças, primas do rei do Qatar, vinham de áridos países e socorerram Prozápio imediatamente, prestes a ser abocanhado; depois o levaram para os aposentos da cúpula do castelo. Não era anunciável que sucumbisse a beleza dos jardins em que divagavam, embebecido. Traziam frutas e véus inebriantes e chegou ao escritório do ministro. Belmonte de Tajo.

Mandou se explicar das dissidências por que passou nas terras. E o que levara o sem país a uma investida por lá, o povo de Arcabeu, em seus rios sinuosos que mais pareciam espelhos tortos, por onde corriam navegantes e pescadores destemidos em dias de correnteza torrencial. Sisudo como uma música sem melodia, Tajo não gostava, porém, da desfaçatez; deu, sóbrio, um inquérito bastante prático:

- Era de se esperar algo tão novo por aqui, uma província quase inóspita. Mas, por seus relatos, vejo que não há muito a ajudar, ou que faça as vezes de um caixeiro.

- Meu senhor, lhe concedo um direito de petição. Arremeteu Prozápio novamente, desta vez sem olhar nos olhos do ministro, pois vendo aquela linda paisagem vinda da varanda lhe remetia a um quadro emoldurado. - Eu troco gado por lebre, ponderou, ainda assim fico a aferir muito do que pode ter.

Um lado de Tajo foi algemado pelas intenções do forasteiro. E ficou esperando ali alguma reação, bastante pensativo e assodado pelas reuniões e mais encontros, com budistas, heremitas, palestinos.

Sem mais delongas que já estava atrasado, Prozápio, ao amanhecer, partiu de novo pela mesma estrada que o trouxe aqui. De muito falasterio correu para não dar pistas da onde veio, nem para onde vai. Levou nas mãos alguns vestígios de nossa infância, dizia ele. A meninada foi atrás a debalde, até perdê-lo de vista.

Joao Vicente

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Grande Sertão

Os grandes jornais têm correspondentes em Timor, no Kosovo e na Faixa de Gaza, mas só o Sobrecasaca tem um correspondente na UERJ: eu. É uma função de alto risco. A universidade é o território do insólito, do estranho, do inesperado. Quando menos se espera, um naco de concreto pode cair em sua cabeça, ou uma privada descontrolada pode espirrar em você um jato de água suja, como um gêiser de Yellowstone. Mas nada é mais terrível do que a cafonice intelectual dos aborígenes desta ilha estranha. O antropólogo francês Lévi-Strauss sempre afirmou que o pesquisador social não necessariamente deve se identificar com o grupo ou a tribo estudada. Sábio Lévi. Quando passo por um grupo de remelentos da Conlutas, sorrio por dentro, feliz por não ser um deles. Mas, como um Euclides da Cunha naquele sertão mental, sinto-me impelido a reportar ao mundo civilizado como que a banda toca por lá. Um episódio bem ilustrativo foi a invasão da reitoria, na semana passada. Uma dúzia de jagunços mimados se reuniu no hall principal para gritar palavras de ordem e reivindicar o bandejão, a grande causa atual do movimento estudantil. A turba seguiu em direção à reitoria. Dois seguranças assistiam, entediados ao levante. Na hora, lembrei de uma professora de história, que me disse uma vez que a Queda da Bastilha havia sido uma grande farsa – havia, no dia da tomada, dois guardas e dois prisioneiros. E lembrei também de Darcy Ribeiro, que disse que, se em 64, alguém jogasse um estalinho no meio dos milicos, estes sairiam correndo como zebrinhas amedrontadas. A invasão prosseguiu calmamente, sem quebra-quebra, sem repressão, sem chororô, para tristeza dos jaguncinhos-de-papai, que adorariam fazer o papel de vítima, mas fizeram somente papel de ridículo. O bandejão, mais cedo ou mais tarde, será construído, e poderei fazer então, quem sabe, uma coluna sobre intoxicação alimentar em massa

-Dan-

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Em defesa dos distraídos

O mundo, minha gente, anda muito rápido. Com essa onda de revolução tecnológica que já provou estar dando errado. Anda muito enlouquecido esse mundo, com jeito de que anda mais difícil estar no mundo. Com um emprego nas costas e o martírio cristalizado.
Andam me criticando muito por achar isso, que sou aéreo distraído. Tem que ficar ligado, 24 horas na Globo. Gente acha que os ligadões estão mais no mundo do que eu. Que por ser ligadão você leve uma vida mais interessante, mais agitada, como numa rave sem fim. Julgo que os ligadões são limitados. Os distraídos não, são plenos. Percebem aspectos de um mesmo problema que passam despercebido pelos atentos. Os ligadões, como não se desligam de nada, ficam presos e não conseguem se libertar com facilidade. Sofrem com coisas das quais os distraídos já se libertaram. Os distraídos são os libertários, como um peixe arredio que foge da rede.
Há disseminada pela sociedade a idéia de que o hiperativismo é uma doença, e essa mania de dar à criança hiperativa uma droga como ritalina para poderem se enquadrar numa sociedade que inutilmente julga-se mais saudável. Pois pelo contrário acho eu que os distraídos são um exemplo de que há sinal de saúde numa sociedade ligadona e doente.

Joao Vicente

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Intercambio

Agora que a viagem vai se aproximando do fim eh o tempo de assimilacoes e percepcoes. A primeira delas eh que intercambio eh uma experiencia muito intensa, em todos os sentidos. Aqui os sentimentos, os momentos parecem ser, no minimo, multiplicado por dois. Estar num pais no qual voce nao domina a lingua perfeitamente, sem seus amigos, sua familia eh um desafio. Por isso que eu acho que eh tao interessante. Se, como dizem, os homens sao movidos a desafios, esse eh um dos grandes.
Aqui, pensar eh uma atividade intensa. Alem dos lugares, das novidades, eu gosto de pensar sobre a viagem em si. Como se fosse uma coisa a parte. Eu nao sei se com todo mundo eh assim, mas eu senti essa viagem. Eh a maior coisa que eu ja fiz na minha vida. Eu prefiro usar maior do que melhor. Nao porque nao tenha sido, mas acho que a palavra mais apropriada eh a primeira, no sentido de grandiosidade; intensidade.
Morar com gente que voce nao conhece, as vezes nao ter com quem compartilhar certos sentimentos. Aqui eh preciso se reiventar, se redescobrir.
Eh como se fosse um parenteses na sua "real life". Comecar do zero. Fazer novos amigos, se adaptar a outra cultura, outra lingua.
Tem gente que nao aguenta. Vem para ca e so quer ficar no computador pensando no Brasil, na vida real. Por sinal, o que mais acontece aqui eh as pessoas trazerem o Brasil para ca. So andam entre brasileiros e ficam aqui seis meses, um ano, sem falar ingles. O que ate certo ponto torna as coisas mais faceis. Porque falar outra lingua, conhecer pessoas de outro pais exige esforco. Mas eh isso que enriquece.
Por isso que eu acho que o fundamental de um intercambio eh compreende-lo. Eh uma oportunidade de entender e aprender com outras culturas. E quando voce passa os obstaculos iniciais, os beneficios de falar outra lingua e estar apto a conversar e realmente "intercambiar" cultura eh muito rico e, para mim, motivo de orgulho.
Enfim, acho que so vai cair a ficha dessa trip realmente quando eu voltar e talvez ate demore um pouco. Mas acho que eh esse tipo de experiencia que torna a vida mais intensa; maior.

Julio,
San Diego, Ca

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Lírios & Lembranças

por LUCAS

Um infortúnio levou-me ao cemitério bem no dia do meu aniversário de 22 anos. A coincidência morbidamente cruel não me pegou de surpresa, já que um ente querido convalescia no leito de hospital. Estava no ônibus a caminho do trabalho quando o toque alegre do celular invadiu meus ouvidos escamoteando a má notícia que se seguiria ao “alô” inicial. Derrubei algumas lágrimas e refiz-me a tempo de chegar ao meu destino: uma coletiva na Alerj. Além de receber a notícia, tive que olhar para cara de uns safados de terno e gravatas pretas discursando sobre alguma baboseira desmedida. Adiantei o serviço e liguei para a chefe, gaguejando, a fim de explicar o ocorrido – teria bolo e guaraná para comemorar o aniversariante do mês. Enviei todo o trabalho por e-mail e corri para o hospital onde jazia uma velhinha simpática que até hoje me faz muita falta.
Cobri meu coração com ferro para evitar que, no momento em visse seu corpo sem seu espírito, más lembranças me tomassem de assalto e me reduzissem a frangalhos. Atitude totalmente vã e tola: chorei copiosamente lembranças antigas, recentes e futuras (se é que é possível). Chorei a morte de quem ainda nem morreu. A propósito, a pessoa que deixou o mundo dos mortais justamente no dia em que completei meus 22 anos era a dona Diva, uma diva da simpatia anciã. Com seu corpo magrinho e seus comentários irônicos sobre a vida, a avó da Duda – minha amada namorada – se fazia presente nos almoços de sábado, alegrando-os. Acompanhei a Duda até o cemitério e foi lá onde as lágrimas correram com fúria caudalosa.
Cansado do turbilhão de emoções que estava sentido dentro da capela, fui para a parte externa do cemitério e pude ver a imensidão do São João Batista, com suas tumbas encrostadas no meio de Botafogo e sua escassez de árvores. Enquanto refletia sobre a insignificância da vida, percebi que um beija-flor muito negro e veloz bebericava o néctar do lírio de um coroa de flores, que ornamentava um caixão vizinho. Entristeceu-me ver que aquele animal retirava vida da morte alheia. Atitude igualmente praticada pelos coveiros e pelo pessoal da Santa Casa; que ganham a vida com a morte dos outros. Retesado, percebi que invariavelmente a dor de uns é o néctar de outros. Naquele momento, enquanto o beija-flor sugava seu alimento da flor da morte, tive a louca constatação que deteve de imediato minhas lágrimas: ATÉ NA MORTE HÁ VIDA.

ps: Decidi assinar o texto no início para destacar sua autoria, seguindo sugestão de um amigo. Dessa forma, os leitores não precisam ver no final da crônica quem é o responsável por ela. Acho que os colegas deviam fazer o mesmo. Sugestão dada. Abraços.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Senso comum, servido?

Empanturrado de bifes ao alho, grão-de-bico e pastéizinhos de belém, eu observava pela janela o vai-e-vem frenético da Nossa Senhora de Copacabana ao meio-dia. Parece que quando o estômago enche, o cérebro esvazia. Aboletado em uma poltrona macia, quase maternal, eu não me dava conta de minha própria existência. Será que ao comermos bois, nos tornamos mais bovinos? Eu de fato pastava, disso não tenho dúvida (e já nem me ofendo se me mandarem pastar), mas, em meio a tão idílica atividade, um curioso pensamento me ocorreu: "o senso comum não incomoda por existir, mas por ser anunciado". De uma forma que, assim como lá no fundo, todos sabem que o amor é que salva, todos também se irritam quando ouvem Fulano dizer, como se estivesse descobrindo a roda: "Ah...só o amor salva!". O mesmo vale para "o crime não compensa", "nem tudo que reluz é ouro" e similares. Essas verdades-o senso comum- são como o ato sexual: não convém serem anunciadas aos quatro ventos. Tem gente, no entanto, que gosta, que adora um senso comum, uma gente inconveniente e caipira. As frases prontas e as palavras de ordem são, para essa gentalha, mais nocivas do que os pastéizinhos de belém e os bifes mal-passados: esvaziam o cérebro e não enchem a barriga.

-Dan-

terça-feira, 10 de junho de 2008

O Assalto


Uma fulgurosa região da cidade nos aquece com seus amores modernos e contos de pura adrenalina e diversão. Em ocasião no bairro da Lapa, trazer pessoas que chegam pela primeira vez ao Rio é a melhor maneira de mostrar todas as nuances desta que, à primeira vista, parece grande, mas ainda resguarda o espírito faroeste e os pistoleiros das cidades do interior.
Um desses tirou o revólver do bolso e o pôs na frente do rosto do servente, no Bar da Sorte, cerceando a área do curvelo dos Democráticos. Ficou esperando ele tomar uma iniciativa logo antes que resolvesse apertar o gatilho. O homem de imediato foi lá pegar tudo que tinha e nem pensou duas vezes em tirar os dois broches de ouro que usava na camisa. Ficamos boquiabertos com a insolência do assaltante: saiu do meio do pessoal em pé aglomerado perto do balcão açoitando o coitado do funcionário enquanto a rapaziada fugia. Restava-nos a agrura de sair correndo também; mas ainda tínhamos que chamar o seu Luiz que, nesta altura dos acontecimentos, encontrava-se no banheiro.
Foi quando nos demos conta situação: em companhia da dona e seu ajudante com a arma empunhada em seu rosto, o sujeito clamou e bradou rispidamente sem dar nenhuma brecha a reação do assaltado, foi logo abrindo o caixa de dinheiro; o comparça aproveitou para pegar uma garrafa de cachaça perdida em uma das mesas; o servente lá sentado, esperando o término do engodo, não queria complicar ainda mais o seu câncer que estava às beiras de se manifestar novamente, até o pulmão direito não tinha mais.
- O seu Luiz é que vai ter uma síncope se sair e der de cara com este marginal! Procuremos um meio de avisá-lo então sobre o que está se passando, assim ele fica por lá mesmo e nos poupa o transtorno do salvamento.
Era o que me faltava para aguar de vez a relação com o futuro sogro. Não bastasse ele ter vindo de uma infância pacata de cidade pequena, sem grandes estresses; morava pelos lados de Varre-Sai, sua terra natal, bem próximo à Presidente Dutra – figura folclórica do lugar, tinha um armazém nas cercanias do distrito policial, vivia de casa pro trabalho sem muitas aporrinhações –, agora como vou explicar o acontecimento? Será que vai entender os atrasos da cidade grande?
- Já sei! Vamos ligar para o celular e pedir que fique lá dentro pois - aí dissemos - o bar está em obras, reformando a pintura, não vamos permitir que respire este cheiro horrível de tinta forte, poderia fazer mal a sua sinosite. Mal sabíamos que havia anos seu Luis se recuperara da doença, tinha a pele conservadíssima, um fôlego juvenil e soltava pipa como criança. Alguns dias não voltava para casa até o sol cair; a esposa destemperada não se conformava com a soltura do marido, ia lá pelas mediações da autovia catar o peralta "avoado".
Naquele momento ele viu que a vida tinha sentido: olhou-se no espelho com um certo apego pela sua juventude interiorana – amistosa nas noites embaladas do clube Palmeiras –, saiu dali um sopro de anima profunda. Abriu a porta do banheiro que dá para o bar e inspirou ar de forma a abraçar todos os prazeres da vida.
- Eu estou muito bem, meu filho. Não tenho muito o que reclamar, afinal eu estou no Rio de Janeiro, com todas essas moças bonitas que estão aí fora! Agora me diga, com o que mais posso me preocupar, não eh? Não era bem isso o que queria dizer pois, de um jovem livre nos campos da baixada, foi ao cárcere de um mero trombadinha na Lapa:
- Olha, meu companheiro, dá pra liberar o velho aí? Só estamos de passagem, não me agrada muito este bar!
O amiguinho do homicida, alguns graus bem acima, me irritava com a soberba em arrotar na frente de todos.
- Já cedi a cerveja ao teu colega, não dá pra reaver o parente?
Em seus últimos planos para ver algum sentido na vida novamente, seu Luiz implorava por um fim digno com uma conta mais gorda no banco, uma mulher jeitosinha como nos tempos do Palmeiras e ver a filha casar com outro cidadão que não comigo; quem sabe com um daqueles fazendeiros de Varre-Sai?
Saí sem que ninguém percebesse e fui ao passo do meliante que estava nas últimas de conseguir uma bem sucedida operação. Também porque precisava mostrar ao sogrão, de algum modo, meu ímpeto pela sua salvação, ou pela união da família:
- Eu queria pagar ao senhor o que lhe devo, aceita a carteira? A carteira em troca do refém? Pedi encarecidamente para que desse alforria ao seu Luiz já frustrado pela noite em pasmo: - Não tem polícia nesta cidade não!?
Subiu à cabeça do menino uma saída então mais cinematográfica:
- Eu nao vou liberar ninguém não. Vão ficar todos presos no banheiro! Ô Já é("Já é" era o nome do ajudante do criminoso), amarra esses otários aqui e coloca lá dentro, anda! Pelas tantas, o rapaz conseguiu juntar mil reais e meteu o pé para os lados da favela dos Prazeres. Só que tinha esquecido de um detalhe apenas: trancou o comparca junto com a gente dentro do banheiro!

Joao Vicente

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Pode vir, inspiração!

Certo dia, depois de muito tempo ausente de nosso blog, obriguei-me a escrever algo publicável, digno de fazer nossos leitores perderem alguns minutos de suas vidas dando atenção a mais um entre tantos escritores amadores que vêem na grande rede uma oportunidade para difundir suas idéias torpes e dúbias. Mas, sentar no computador e sair escrevendo não é essa moleza toda, principalmente em tempos de tão escassas inspirações. Eu poderia chupitar os fatos mais insólitos que publicam no globo online ou então resenhar sobre mais um grau de investimento conseguido pelo Brasil, mas tudo pareceria vago e redundante. Na verdade, queria escrever uma crônica leve, divertida, de verão. Daquelas que, ao término da leitura, mesmo que você esteja ao lado de um defunto em estado de putrefação avançada, te proporcione a sensação de que o mundo é super engraçado.
Mas, somente um coração burguês, uma alma ávida por novidades e olhos sempre atentos às desventuras cotidianas não são suficientes para escrever uma crônica de respeito (pelo menos de respeito). Eram 18h15m e em menos de uma hora eu deixaria meu estágio rumo ao martírio que, segundo dizem, irá nos separar dos derrotados: a faculdade. Era o momento perfeito para escrever situações cômicas da vida que me cerca. Mesmo sem nenhuma ponta de inspiração, abri o Word e fiquei olhando para a profundidade da tela em branco, como um grafiteiro que olha a parede em dúvida de quais tintas utilizar. A inspiração é uma merda e, além disso, é teimosa – só aparece quando pressionada. Nunca vi aparecer de boa vontade, de camaradagem.
Fiquei alguns minutos olhando a tela, absorto em pensamentos que dançavam em minha mente e que teimavam em não vir à tona. Tava foda. Percebendo minha atitude, o editor, um gordo que fede uma mistura de cigarro, café e roupa guardada, veio por trás de mim e balbuciou umas palavras de repreensão:
– Lucas, que porra é essa? Tá ai parado há um tempão, cadê minha matéria? Não me diga que ainda nem começou a escrever – inquiriu-me, enquanto me proporcionava uma ducha de perdigotos quentes.
– Eu já entreguei minha diária – respondi ao chefe, desarmando-o, pois ele veio a fim de me sacanear. Desconcertado, ele decidiu não perder a viagem e tentar me foder de vez:
– Já entregou a matéria, é? Ahn tah, mas eu tô precisando que você fique até mais tarde hoje – disse ele.
Em um momento de plena inspiração, respondi de bate-pronto:
– Hoje não dá, chefe, tenho prova – arrematei.
A inspiração é foda, essa malandrinha. É só pressioná-la que brota. Aliás, ainda bem que dessa forma ela nos é util, no meu caso utilíssima. Ainda tentei criar uma prosa legal para preencher a página com um monte de letrinhas que certamente trariam bom humor ao meu dia e ao de vocês, leitores invisíveis do Sobrecasaca. Mas não deu.

Lucas

terça-feira, 20 de maio de 2008

Time is money

A frase que a gente costuma usar para provocar alguem quando esta pessoa esta atrasada ou para agiliza-la tem um significado diferente aqui nos EUA. Ou melhor, tem o significado absolutamente literal. Aqui, como em nenhum outro lugar do mundo, tempo eh dinheiro. 8, 10, 20, 30 dolares dependendo do lugar.
Eles pagam por hora, ao que chamam de wage. Salary, seria o mensal, mas quase ninguem recebe dessa forma. Por exemplo, no restaurante em que trabalho eles me pagam 8h por hora, que eh o minimo wage na California. Cada estado tem o seu minimo. E por essa razao, a de o seu boss estar te pagando por hora, voce tem que recompensa-lo de alguma forma. Mesmo que nao tenha cliente nenhum nessa uma hora, por exemplo, voce tem que se virar para arrumar algo para fazer. Botar os molhos na garrafa, arrumar os guardanapos, ou qualquer outra tarefa menor. Porque nao faz sentido voce estar recebendo 8 dolares para nao fazer nada. Esse eh um exemplo menor, mas que no geral pode ser uma das razoes de eles serem tao desenvolvidos. Nessa mesma uma hora em que estou fazendo tais coisas no restaurante, todos os trabalhadores americanos, cada qual em sua area, tambem estao. Pode ter certeza. Aqui conversa fiada e braco cruzado nao existe. Porque custa dinheiro para alguem. A relacao eh direta e explicita. Time - Money.
O que por um lado eh bom. Ao contrario do Brasil, trabalhando num jornal, por exemplo, como ja foi meu caso em algumas vezes. Voce teria, supostamente, que trabalhar oito horas por dia, o que nunca ocorre, voce trabalha 10, 12 e nao recebe nada mais por isso.
Aqui, nao.
Se te pedem para ficar alem do seu horario, voce pode ter certeza que voce vai receber por aquelas horas a mais. Voce nao se sente explorado.
Se voce trabalha 15 minutos a mais do seu tempo, voce recebe por esses minutos. Sem exagero.
Bem, eu adoraria continuar essa cronica, mas tenho que ir para o trampo, porque voce sabe, time is money. Aqui, pelo menos.

Julio
San Diego, Ca

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Segunda parte


(Esta história é a continuação do post da semana passada)

Um alívio momentâneo veio antes do vazio causado pela falta dela. Como é que se foi envolver desta maneira? Agora não consegue se concentrar no trabalho, nem acertar a mão no café. Passando-se os dias, o jardim foi perdendo as plantas, mas a raiz do problema ainda estava lá. A falta que a moça do 203 causava na vida predial já se refletia nas horas perdidas vendo o entregador deixar os jornais a esmo, as correspondências se empilhando na sua mesa, as pessoas passavam e voltavam sem o afago passado.
A luta por continuar, à revelia dos fatos, sendo astuto e vigilante perdeu o sentido. Não te conto aquele dia em que distraído entrou em casa e da janela viu a mulher do doutor do 103 aos beijos e abraços com um suposto amante. Como por ter tido toda uma desilusão amorosa abraçou os dois com suspiros de um romântico; pegou pipoca e refrigerante e sentou na janela, deliciando-se com as carícias trocadas pelo casal.
Dentro de um filme, passou a se ver com a moça do 203 no lugar dos amantes, afinal ele também era um, inveterado: estavam só eles dois ali na janela, jantando à luz de velas com um vinho caríssimo a tira colo, depois mergulhando nos lençóis de seda inebriantes que, porventura, estariam na cama dela. Não julgo pela estirpe que a moça porta, mas na sua delicadeza em entrar e sair da portaria via-se que uma graça de menina ainda guardava segredos.
Ficou lá sofrendo, era melhor aquela melancolia criativa que o faz viajar pelos mais diversos cantos do inconsciente, vivendo outra dimensão do real, onde podia resolver todos os problemas da vida. Do impasse com o banco à peripécia de um relacionamento, estava nas suas mãos o controle do destino; da esperança em mudar de vida, tornar-se rico e viver numa casa a beira da lagoa, pescando com os netos, ao prazer de partilhar a vida com sua musa, passeando pelo parque, sentados no gramado ao ressoar de uma brisa constante que fazia o espaço ter uma profundidade sem fim.
De tanto ressoar no seu ouvido ele acordou assustado. O interfone da rua não parava e fez com que pulasse do mais profundo sono em meio a barulhos de caminhão, obras, pessoas carregando tralhas, um horror. Tinha que fazer alguma coisa, atendeu para que sossegasse por alguns instantes mas quem dera um descanso neste momento? Fora designado a ajudar na mudança de um morador, nestas horas que geralmente o caos toma conta de um edificio residencial. Desceu algumas escadas até o tal andar, aonde carregava-se móveis caríssimos, um piano vinha sendo retirado pela janela. Parou na porta e viu os números: 203.
Por alguns instantes veio na cabeça a imagem daquele apartamento vazio, empoeirado, prestes a sofrer mudanças estéticas; com seu ar incólume, agarrou-se à dúvida de que agora estaria sozinho no mundo. Não foi doloroso, nem aliviante, apenas seguiu o ritmo pulsante do silêncio que se deu.
Claro que, até ali, ele ainda nao tinha nenhuma certeza, nem chão nem nuvens de mudanças; estava tudo no terreno baldio da imaginação. E pra piorar, além de não saber da onde veio nem pra onde vai a mulher dos seus sonhos, entrou o novo morador com ares altivos lhe pedindo uma xícara de café. Ainda tinha que descobrir os carros na garagem, molhar o jardim... Mesmo assim fez o maldito café, ao que o senhor lhe devolveu depois de provar um sem gosto nenhum - estava muito, mas muito aguado.

Joao Vicente

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Ai de ti!

Sou adepto de um esporte radical: corridas na praia de Copacabana. Sair de casa, andar, correr, praticamente tudo envolve um certo risco no Rio de Janeiro. Em Copacabana, porém, tudo é diferente, estranho, extraordinário. Por exemplo: na rua Min. Viveiros de Castro, um sinal de trânsito pisca na luz amarela desde a Revolução de 30. Ele voltará ao normal? Mas que normal? O que é normal em Copacabana? Um outro exemplo: mesmo com a proliferação das grandes redes de supermercados e mercearias, com suas facilidades e comodidades, resistem bravamente à lei da concorrência os simpáticos quiosques das Granjas Xôko. O que mantém esta exótica maçonaria avícola de pé, em tempos de modernização, de ovos transgênicos e chesteres monstruosos? Sabe-se lá. Copacabana tem razões que a própria razão desconhece. Voltando às corridas, aqui, neste centenário bairro, elas possuíam, como tudo, um atributo peculiar, tratando-se de Rio de Janeiro: a tranqüilidade e a segurança.
De uns tempos pra cá, porém, esta atividade passou a incorporar um risco não muito inusitado: de que o corredor seja alvejado por uma rajada de tiros de metralhadora. Recentemente, durante minha corrida, melhor, meu Cooper, para fazer jus à minha suposta burguesice (nada é mais tipicamente burguês do que o Cooper), fui surpreendido por essas rajadas e explosões de granadas, ali pelas bandas do Leme. Tratava-se de uma guerra entre duas facções, que durou a semana toda, algo impensável até algum tempo atrás. Uma das singularidades copacabanenses era a relativa tranqüilidade das favelas do bairro, ou, pelo menos, a inexistência de guerras escancaradas, da troca de tiros à luz do dia, do pânico consumado. Ao que parece isso está mudando. O bairro vai se banalizando, tornando-se apenas mais um entre os tantos bairros com tiroteios, igrejas universais, praia suja e (quem sabe num futuro próximo) shoppings. A cada novo tiro, a cada nova loja Marisa, a cada boteco que fecha, Copacabana vai perdendo seu charme secular. Nada teria eu contra, caso o tal charme fosse trocado por ruas limpas, segurança e menos barulho. Acontece que o charme vai sendo trocado pelas Drogarias Pacheco e pelo mar imundo. Ei, eu quero meu charme de volta. Viva a resistência do último sinal piscante. Viva os bravos paladinos das Granjas Xôko!


-Dan-

sábado, 3 de maio de 2008

O Porteiro


Trabalhar dia e noite. Era esta a sua função. Cuidava da portaria do sobrado Elvira, no Catete. Quando fugia a primeira nesga de luz no céu estava já a postos; descobria os carros na parte externa da garagem, preparava um cafezinho ao zelador, regava as bromélias húngaras da entrada e, de volta a portaria, cortejava o primeiro que saia do prédio. Tudo correndo como de costume e certo de que estava sob controle a vida de seus amasiados. Um olhar diferente, os fatos acontecidos durante o dia, nada rolava minimamente despercebido pelo porteiro, era seu trabalho e por isso que tinha, tintim por tintim, os escorços sempre à mão.
Vez ou outra acontecia o cataclisma: as coisas mudavam de lugar, mudava o horário, mudança de lei no edifício, e para ele era difícil. Sábado, dia de faxina, rondava o sobrado para averiguação que era um sacrifício, talvez um contrato mal acertado porque o cargo é de porteiro, nao é de fiscal. E voltava a semana assim como ele queria: ver o gordinho ora triste ora alegre do 102, a gostosa do 204, brincava com o cachorro, batia um papo com a faxineira do 101 quando saia pra feira e terminava o dia feliz com o bolinho das senhoras do 206. As coisas foram se configurando como a maneira mais fácil de aliar serviço e saciar a curiosidade. Desconfiava um tanto, porém, da moça do 203 – ao que me parece ser acima de certas suspeitas, mas passível de indagações. Na verdade, o seu laborio prescindia a desconfiança, afinal tudo que entrava no prédio passava pelas suas mãos, mas o toque pessoal dava mais charme a história. Somente um misto de poder e submissão poderia fazer dele um Ás na direção da portaria.
Certo dia a mocinha entrou. Abriu a porta para ela e nada, nem um obrigado, ficou olhando para a mulher com a cara assim estarrecida. No outro dia passa ela de novo sem ao menos um boa noite, ou quiçá um olá. Voltava do recital. A moça do 203 é cantora, mas acho que a música nunca a levou ao mercado publicitário. Dessa vez não abriu, deixou ela tocar o interfone para que dai houvesse uma desculpa de um assunto a ser dito. Nada. A mulher driblava a curiosidade alheia como ninguém; esta aí - ao que me consta - nunca vai ser famosa.
Pelo menos a correspondência ele podia controlar. Da notinha de rodapé no envelope ao remetente decorava tudo e, com medo da memória, passou a anotar todas as observações. Um estudo minucioso e aplicado que fazia dela sujeita a especulações, às vezes agradáveis, outras comprometedoras. Não era bem este o intuito de um porteiro, mas em se tratando da 203, ah, aí vale o desafio. Deu até pra sonhar com a dita cuja uma semana seguida, mesmo quando não dormia.
Numa tarde macia de domingo, ouve-se ao longe, ali pela garagem, pela parte dos fundos do prédio, uma voz bem calma e suntuosa, quase um sonífero. Viajou aos extremos mais obscuros da alma para identificar a voz como sendo a da moca pouco conhecida que morava no apartamento 203 daquele sobrado. Era uma fala muito bem articulada - parecia de uma deputada ou corretora de imóveis - que voava aos ouvidos como música, e continha todo o interesse que se criou em torno da qual a vida e seus mistérios eram mais saborosos. Vinha de algum lugar que não se soube no momento dizer, mas trazia das mais valiosas informações, muitas delas. Tantas que não demorou muito para que largasse a portaria ao relento e fosse em busca do tão sonhado encontro.
Quando ouve o prenúncio do fim da conversa, cede à tentação de uma abordagem à amada, quem sabe perguntá-la sobre a água encanada? Talvez oferecer limpar seu carro? Para ele, a moça já era quase um ente querido, surgia uma vontade imensa de interrompê-la, de apoiá-la, de fenecer a voz dela quando ria timidamente. Foi tomando coragem, prendeu a respiração e adentrou o recinto em que ela estava. Os olhos a procuraram arrediamente, esboçou um oi mas infelizmente já tinha entrado no elevador; sobrou-lhe apenas a fresta da porta se fechando. Inconformado, sentou e lamentou.
Mas tomou para si que não ia desistir tão rapido, era só esperar uma nova oportunidade. Passou-se alguns dias depois do desencontro para enfim preparar-se melhor. Então continuou a pesquisa: a cada dia descobria características novas da sua musa, mas ela própria que não aparecia há tempos apertava-lhe o peito de angústia. Embora outras pendengas reservasse a maioria de seu tempo, chegava até mais cedo no trabalho para investigar a moça do 203, os seus cabelos longos e como seria seu apartamento. Foi numa dessas rondas pelo sobrado para averiguar a limpeza que notou um ruído vindo do andar dela, e correu para ver o que era... (esta história continua semana que vem)

Joao Vicente

terça-feira, 29 de abril de 2008

Uma cidade e seus caminhos

Alem de essa ser a minha primeira viagem ao exterior, a primeira vez que moro ''sozinho'' ( as aspas sao porque eu tenho roomates), essa tambem eh a primeira vez que moro em outra cidade. E o engracado, se eh que posso chamar assim, eh que eu so me dei conta disso ha pouco tempo.Durante a faculdade de Comunicacao, eu li varios textos sobre ''a cidade'', sobre ''a metropole''. Agora eu entendo um pouco porque esse eh um tema tao debatido e estudado. Cada cidade tem suas idiossincrasias, seus misterios. E eh um desafio agradavel desvenda-los. Por exemplo, o Rio eh unico por ser um lugar que onde quer que voce more voce nao esta a mais de 20 minutos da praia. Isso eh fantastico.Aqui, eu nao sei como explicar direito, mas a cidade parece mais vertical. O sul eh longe da praia. Eh perto do Mexico, eh a area mais pobre de San Diego. Conforme voce vai subindo, voce vai beirando o litoral.Ate os pequenos detalhes sao legais de morar em outro cidade. Aqui os dois grandes supermercados sao o Ralphs e o Vons. A concorrencia entre eles eh feroz. Eles sao simbolos da cidade. Para mim, eles reprentam fases da viagem. Quando eu morava em DT, fazia compras no Ralphs. Depois, em Point Loma, era no Vons. Aqui em PB eh o Vons tambem.O shopping que bomba eh o Horton Plaza, ele eh ate cartao postal da cidade.Para ir para o trabalho eu tenho que pegar o 923 na Broadway sentido Ocean Beach. Para escola eh o 30 sentido Downtown. O onibus, claro, nao tem trocador. Voce compra o que eles chamam de "monthly pass" e so apresenta o cartao na hora de subir no busao. Mais pratico impossivel. Ou melhor, conveniente, como eh a palavra de ordem por aqui. O passe vale para o trolley tambem.Outra coisa que pude perceber, nas minhas divagacoes sobre "a cidade", eh que Downtown, ou o Centro, eh parecido em todo lugar do mundo. Aqui nao eh diferente. O Centro eh o lugar onde as pessoas trabalham, onde a policia eh mais rigorosa, voce tem que pagar para estacionar.Ocean Beach eh o bairro dos hippies. Voce sente marola qualquer hora do dia. La Jolla eh a vizinhanca mais chique daqui. Todas as lojas la sao fashions. Eh a area para os turistas. Onde moram os mais ricos tambem. Pacific Beach, onde estou morando, eh um pouco da mistura dos dois.Essas descricoes todas desta longinqua cidade podem nao fazer muito sentido aos que a esse texto leem. Mas, para mim, botar em palavras o que vejo diariamente tambem ajuda um pouco a assimilar e descobrir o que esses caminhos e os lugares a que eles me levam respresentam.

Permanentemente sem acentos e cedilhas,JulioSan Diego, Ca

sábado, 26 de abril de 2008

Hegel, as melancias e o apocalipse


Para o filósofo alemão Hegel, a história tinha um sentido, uma direção. O Estado Constitucional, por exemplo, seria o ponto de chegada inevitável de um processo histórico dialético que já teve formas intermediárias como o Estado monárquico e o tirânico. Pois bem. Pegue o Estado Constitucional e troque-o por Andressa Soares, a Mulher-Melancia. Ela é o ponto de chegada de um longo caminho evolutivo, a síntese definitiva de um processo complexo de bundas, péssimas músicas e muita, muita vulgaridade. Ela tem a maior bunda, canta a pior música e ergue sua própria futilidade como um troféu. Carla Perez foi uma etapa inicial desse processo histórico. Na linha evolutiva da vulgaridade, seria como uma espécie de neanderthal: uma bunda grande, porém, ainda um tanto inibida, e uma vulgaridade ainda incipiente a acompanhavam nos shows. A Feiticeira representou um estágio já mais desenvolvido da idiotização cultural. Peitos e bundas gigantescos fizeram dela uma grande estrela, ao passo que exibia sua ignorância faraônica em um programa de TV. Muitas outras representantes da evolução da cultura do ridículo e do mal-gosto foram surgindo, uma atrás da outra, uma mais inacreditavelmente vulgar do que a outra. Mas ainda podia se notar um tiquinho, um resquício de civilização nelas. A chegada da Mulher Melancia, porém, representa o fim dessa história. Ela é a queda do Muro de Berlim da nossa história da decadência- é o grande símbolo do fim da história da nossa chanchada cultural. Nada virá depois da Mulher Melancia. Lembra do Apocalipse, aquele livro da Bíblia que falava sobre o Juízo Final? Pois está lá: “...e, do mar, eis que se erguerá uma mulher de ancas monumentais, rebolando e levando a desgraça ao mundo dos homens”. Estava esperando o Juízo Final para torrar seus dólares? Aproveite! Fale tudo que quis dizer ao seu chefe também, pois o fim está próximo. Assim diz o profeta Daniel. Newton revolucionou o mundo quando uma singela maçã caiu em sua cabeça. Agora, uma nova revolução se anuncia, com uma enorme melancia caindo sobre a cabeça de todos nós.

-Dan-

terça-feira, 22 de abril de 2008

Bolsa-Consciência


Alguém havia me dito que televisão não serve pra nada, serve nem ao meu desejo platônico de informação. Mas são nestes pequenos eletrodomésticos que vemos as maiores atrocidades já inventadas pelo homem. A Guerra do Golfo, que inaugurou a era das chacinas televisionadas, foi marco na categoria "impossível que é verossimil". No caminho oposto, vem a frieza dos acontecimentos possíveis, porém, inacreditáveis.
O assassinato da menina Isabella veio ilustrar este nosso desejo de sentirmo-nos dentro de um thriller de Ridley Scott, não à toa somos pegos toda hora investigando os jormais à procura de provas, ou alguma notícia que retifique sua suspeição. Embora comum, o crime ganhou notoriedade já que tivemos um contato mais próximo com os suspeitos - o pai e a madrasta. Não vou cair aqui num lugar comum onde várias criancinhas, com ou sem pais, são mortas diariamente e de forma ainda mais brutal. O problema que envolve a tragédia se torna verossímil quando espetacularizado: é a criação do herói, ou heroina no caso de Isabella. Abraçada com o padre popstar Marcelo Rossi, Ana Carolina, a mãe da menina, tira fotos e, junto a outros artistas, posa para os paparazzi. A imagem da filha estampada numa camiseta passou a ser símbolo de torcida por justiça.
Confesso que peco um pouco quando o assunto é futebol, mas acho que a bandeira levantada quando o time está perdendo não pode ser a do Bope no alto de uma favela, nem a de uma criança no meio de uma missa. A bandeira da justiça social não é um panfleto. Muito menos folha de maconha. Tenho medo dessa moda de ter consciência social como os jovens de "Tropa de Elite", do motivo de celebrização pelas vítimas da violência.
Parece ser difícil de ver que justiça social - a principal demanda da sociedade capitalista de hoje - não tem um rosto a ser estampado, não dá pra virar embalagem numa prateleira de supermercado, ainda assim ter valor de mercado como outros projetos do Pálacio do Planalto.

João Vicente

domingo, 13 de abril de 2008

Pensando bem

Pensar não custa dinheiro. É uma pena. Se custasse, tenho certeza de que muitos pensamentos inúteis e estúpidos seriam evitados. Imaginem: a Consciência, uma senhora gorda e mal-humorada, a cada vez que você ameaça pensar algo, surge do éter e diz:- ô você! Passe pra cá os 70 centavos da taxa de pensamento. E os 30 da cerveja... Com certeza, aproveitaríamos um pouco melhor nossa capacidade de raciocínio, deixando de perder tempo com um montão de bobagens. Só damos valor ao que tem preço. Mas, como não é assim que acontece, na festa dos pensamentos, entra qualquer um. Nossa mente é como um show na Praia de Copacabana, onde a desordem e a confusão imperam. A taxa de pensamento poderia variar de pessoa para pessoa, de acordo com faixa etária, por exemplo. Os adolescentes poderiam ser sobretaxados, já que, normalmente, de suas cabeças saem as maiores barbaridades. As crianças poderiam ser sobre-sobre-taxadas. Pensamento seria, para elas, algo tão inacessível quanto os computadores antes do governo Collor. Nos sujeitos que crêem cegamente em um partido, igreja, sindicato, etc etc...., essa taxação seria um tanto inócua, já que estes simplesmente não fazem uso da faculdade da razão – apenas obedecem ao diretório central, ao Vaticano, ou seja lá o que for. Delegam a função de pensar a outrem, tal e qual os zagueiros, que delegam aos meias a função de criar. A grande e talvez única vantagem da gratuidade do pensamento é que a Consciência, aquela senhora gorda e mal-humorada, poderia fazer fortuna, pegar as malas e dar no pé, e aí, como ficaríamos nós sem ela?

-Dan-

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Um plano quase perfeito


(continuação do post anterior)

O objetivo era arrumar um jeito de entrar no apartamento da suposta artista para, enfim, investigar o local e pegá-la com a boca na butija. O plano se mostrou infalível: diria ser um erudito em artes que vira o trabalho de dona Alzira na casa de um amigo, o que despertou seu encanto, e com isso pretendia conhecer melhor suas peças de perto, bem de perto. Para a grande realização do plano, precisava de alguém que compactuasse com a empreitada, e este seria o porteiro. Não deu outra: conseguiu a adesão do funcionário, seu devido sigilo, e iniciaram a mão na massa.
Seu Ernesto agora era doutor Avelar, idôneo conhecedor das artes, que já havia viajado por todo o mundo, conheceu Europa quase toda, presente em todas as bienais, um ardiloso bigode postiço que guardava de algum carnaval e o tom mais grave da voz – e bem pausada – compunha a credibilidade do personagem. O porteiro ficou incumbido de espalhar pelos andares do edificio cartazes anunciando a chegada do marchant. Pegou papel e caneta e confeccionou alguns exemplares para o andar de dona Alzira, todos muito bem desenhados, o que daria a impressão de um evento em grande estirpe.
Já envolvido na trama, ele avisou pessoalmente à senhora dos planos de seu Ernesto - ops - Doutor Avelar. Um adendo a pequenos artistas locais que contribuiria para uma exposição muito bem sofisticada numa galeria ali perto. Ela, claro, sentiu-se estupenda, com aquele gosto de um trabalho bem realizado e que finalmente alguém entendera suas obras. Aos poucos, o plano por trás do plano ia vagarosamente sendo montado.
Marcaram um encontro na casa dela para as 13 horas. Pontualmente neste horário, toca a campainha com uma tossida meio classuda logo em seguida. Os dois pareciam já se conhecer de outrora, caminhavam pelos cômodos com muita desenvoltura, mas o que interessava mesmo ao doutor Avelar eram os vasos, os raríssimos vasos de cerâmica que a dona fabricava em seu apartamento. Analisava um por um, medindo as manufaturas com uma régua de pedreiro que tinha em casa para obras domésticas. Passou quase duas horas no local; tomou pelo menos dois cafezinhos, os dois descafeinados, e um pão francês com presunto, aliás bem quentinho e acabado de chegar da padaria.
Até aí nada de jornal, no máximo conversavam sobre as notícias do dia às quais, devido aos entretantos, não possuia ainda nenhum acesso. Apenas aos benditos vasos que dona Alzira oferecia. Mas um comerciante da linhagem de Avelar, com quem ela poderia confiar a abertura de seu ateliê, propõe uma investigação mais artística das obras em fase de maturação. Volta e meia perguntava com o que embrulhava o produto final, ou mesmo dentro do ateliê, onde não se via sequer nenhuma pista de jornal. Alguns, às vezes, apareciam nas prateleiras para onde seu Ernesto espreitava um rabo de olho malandro. Mas sem nenhum resultado.
Ao passo, ia se concretizando a infortuita ação a que se prestara. Já não aguentava mais aquela visita. Queria mesmo era ir embora e ver televisão. Foi quando que, de repente, por um intermédio divino, surgi uma voz bastante familiar ao fundo chamando seu nome, mas que seu Ernesto insistia em não reconhecer. Era o porteiro entrando apartamento adentro com o alívio saltando pelos olhos. Nas mãos mostrava um exemplar do jornal do mesmo dia com as inscrições “303” na capa: "Foi um agrura mas eu achei, estava na sua porta dos fundos, tava lá, ninguém roubou não...!"
O aposentado, diante do fato, então decidiu voltar para casa – já embuido das notícias – e passou a tarde se deliciando entre as páginas policiais do jornal.

Joao Vicente