quarta-feira, 25 de junho de 2008

Intercambio

Agora que a viagem vai se aproximando do fim eh o tempo de assimilacoes e percepcoes. A primeira delas eh que intercambio eh uma experiencia muito intensa, em todos os sentidos. Aqui os sentimentos, os momentos parecem ser, no minimo, multiplicado por dois. Estar num pais no qual voce nao domina a lingua perfeitamente, sem seus amigos, sua familia eh um desafio. Por isso que eu acho que eh tao interessante. Se, como dizem, os homens sao movidos a desafios, esse eh um dos grandes.
Aqui, pensar eh uma atividade intensa. Alem dos lugares, das novidades, eu gosto de pensar sobre a viagem em si. Como se fosse uma coisa a parte. Eu nao sei se com todo mundo eh assim, mas eu senti essa viagem. Eh a maior coisa que eu ja fiz na minha vida. Eu prefiro usar maior do que melhor. Nao porque nao tenha sido, mas acho que a palavra mais apropriada eh a primeira, no sentido de grandiosidade; intensidade.
Morar com gente que voce nao conhece, as vezes nao ter com quem compartilhar certos sentimentos. Aqui eh preciso se reiventar, se redescobrir.
Eh como se fosse um parenteses na sua "real life". Comecar do zero. Fazer novos amigos, se adaptar a outra cultura, outra lingua.
Tem gente que nao aguenta. Vem para ca e so quer ficar no computador pensando no Brasil, na vida real. Por sinal, o que mais acontece aqui eh as pessoas trazerem o Brasil para ca. So andam entre brasileiros e ficam aqui seis meses, um ano, sem falar ingles. O que ate certo ponto torna as coisas mais faceis. Porque falar outra lingua, conhecer pessoas de outro pais exige esforco. Mas eh isso que enriquece.
Por isso que eu acho que o fundamental de um intercambio eh compreende-lo. Eh uma oportunidade de entender e aprender com outras culturas. E quando voce passa os obstaculos iniciais, os beneficios de falar outra lingua e estar apto a conversar e realmente "intercambiar" cultura eh muito rico e, para mim, motivo de orgulho.
Enfim, acho que so vai cair a ficha dessa trip realmente quando eu voltar e talvez ate demore um pouco. Mas acho que eh esse tipo de experiencia que torna a vida mais intensa; maior.

Julio,
San Diego, Ca

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Lírios & Lembranças

por LUCAS

Um infortúnio levou-me ao cemitério bem no dia do meu aniversário de 22 anos. A coincidência morbidamente cruel não me pegou de surpresa, já que um ente querido convalescia no leito de hospital. Estava no ônibus a caminho do trabalho quando o toque alegre do celular invadiu meus ouvidos escamoteando a má notícia que se seguiria ao “alô” inicial. Derrubei algumas lágrimas e refiz-me a tempo de chegar ao meu destino: uma coletiva na Alerj. Além de receber a notícia, tive que olhar para cara de uns safados de terno e gravatas pretas discursando sobre alguma baboseira desmedida. Adiantei o serviço e liguei para a chefe, gaguejando, a fim de explicar o ocorrido – teria bolo e guaraná para comemorar o aniversariante do mês. Enviei todo o trabalho por e-mail e corri para o hospital onde jazia uma velhinha simpática que até hoje me faz muita falta.
Cobri meu coração com ferro para evitar que, no momento em visse seu corpo sem seu espírito, más lembranças me tomassem de assalto e me reduzissem a frangalhos. Atitude totalmente vã e tola: chorei copiosamente lembranças antigas, recentes e futuras (se é que é possível). Chorei a morte de quem ainda nem morreu. A propósito, a pessoa que deixou o mundo dos mortais justamente no dia em que completei meus 22 anos era a dona Diva, uma diva da simpatia anciã. Com seu corpo magrinho e seus comentários irônicos sobre a vida, a avó da Duda – minha amada namorada – se fazia presente nos almoços de sábado, alegrando-os. Acompanhei a Duda até o cemitério e foi lá onde as lágrimas correram com fúria caudalosa.
Cansado do turbilhão de emoções que estava sentido dentro da capela, fui para a parte externa do cemitério e pude ver a imensidão do São João Batista, com suas tumbas encrostadas no meio de Botafogo e sua escassez de árvores. Enquanto refletia sobre a insignificância da vida, percebi que um beija-flor muito negro e veloz bebericava o néctar do lírio de um coroa de flores, que ornamentava um caixão vizinho. Entristeceu-me ver que aquele animal retirava vida da morte alheia. Atitude igualmente praticada pelos coveiros e pelo pessoal da Santa Casa; que ganham a vida com a morte dos outros. Retesado, percebi que invariavelmente a dor de uns é o néctar de outros. Naquele momento, enquanto o beija-flor sugava seu alimento da flor da morte, tive a louca constatação que deteve de imediato minhas lágrimas: ATÉ NA MORTE HÁ VIDA.

ps: Decidi assinar o texto no início para destacar sua autoria, seguindo sugestão de um amigo. Dessa forma, os leitores não precisam ver no final da crônica quem é o responsável por ela. Acho que os colegas deviam fazer o mesmo. Sugestão dada. Abraços.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Senso comum, servido?

Empanturrado de bifes ao alho, grão-de-bico e pastéizinhos de belém, eu observava pela janela o vai-e-vem frenético da Nossa Senhora de Copacabana ao meio-dia. Parece que quando o estômago enche, o cérebro esvazia. Aboletado em uma poltrona macia, quase maternal, eu não me dava conta de minha própria existência. Será que ao comermos bois, nos tornamos mais bovinos? Eu de fato pastava, disso não tenho dúvida (e já nem me ofendo se me mandarem pastar), mas, em meio a tão idílica atividade, um curioso pensamento me ocorreu: "o senso comum não incomoda por existir, mas por ser anunciado". De uma forma que, assim como lá no fundo, todos sabem que o amor é que salva, todos também se irritam quando ouvem Fulano dizer, como se estivesse descobrindo a roda: "Ah...só o amor salva!". O mesmo vale para "o crime não compensa", "nem tudo que reluz é ouro" e similares. Essas verdades-o senso comum- são como o ato sexual: não convém serem anunciadas aos quatro ventos. Tem gente, no entanto, que gosta, que adora um senso comum, uma gente inconveniente e caipira. As frases prontas e as palavras de ordem são, para essa gentalha, mais nocivas do que os pastéizinhos de belém e os bifes mal-passados: esvaziam o cérebro e não enchem a barriga.

-Dan-

terça-feira, 10 de junho de 2008

O Assalto


Uma fulgurosa região da cidade nos aquece com seus amores modernos e contos de pura adrenalina e diversão. Em ocasião no bairro da Lapa, trazer pessoas que chegam pela primeira vez ao Rio é a melhor maneira de mostrar todas as nuances desta que, à primeira vista, parece grande, mas ainda resguarda o espírito faroeste e os pistoleiros das cidades do interior.
Um desses tirou o revólver do bolso e o pôs na frente do rosto do servente, no Bar da Sorte, cerceando a área do curvelo dos Democráticos. Ficou esperando ele tomar uma iniciativa logo antes que resolvesse apertar o gatilho. O homem de imediato foi lá pegar tudo que tinha e nem pensou duas vezes em tirar os dois broches de ouro que usava na camisa. Ficamos boquiabertos com a insolência do assaltante: saiu do meio do pessoal em pé aglomerado perto do balcão açoitando o coitado do funcionário enquanto a rapaziada fugia. Restava-nos a agrura de sair correndo também; mas ainda tínhamos que chamar o seu Luiz que, nesta altura dos acontecimentos, encontrava-se no banheiro.
Foi quando nos demos conta situação: em companhia da dona e seu ajudante com a arma empunhada em seu rosto, o sujeito clamou e bradou rispidamente sem dar nenhuma brecha a reação do assaltado, foi logo abrindo o caixa de dinheiro; o comparça aproveitou para pegar uma garrafa de cachaça perdida em uma das mesas; o servente lá sentado, esperando o término do engodo, não queria complicar ainda mais o seu câncer que estava às beiras de se manifestar novamente, até o pulmão direito não tinha mais.
- O seu Luiz é que vai ter uma síncope se sair e der de cara com este marginal! Procuremos um meio de avisá-lo então sobre o que está se passando, assim ele fica por lá mesmo e nos poupa o transtorno do salvamento.
Era o que me faltava para aguar de vez a relação com o futuro sogro. Não bastasse ele ter vindo de uma infância pacata de cidade pequena, sem grandes estresses; morava pelos lados de Varre-Sai, sua terra natal, bem próximo à Presidente Dutra – figura folclórica do lugar, tinha um armazém nas cercanias do distrito policial, vivia de casa pro trabalho sem muitas aporrinhações –, agora como vou explicar o acontecimento? Será que vai entender os atrasos da cidade grande?
- Já sei! Vamos ligar para o celular e pedir que fique lá dentro pois - aí dissemos - o bar está em obras, reformando a pintura, não vamos permitir que respire este cheiro horrível de tinta forte, poderia fazer mal a sua sinosite. Mal sabíamos que havia anos seu Luis se recuperara da doença, tinha a pele conservadíssima, um fôlego juvenil e soltava pipa como criança. Alguns dias não voltava para casa até o sol cair; a esposa destemperada não se conformava com a soltura do marido, ia lá pelas mediações da autovia catar o peralta "avoado".
Naquele momento ele viu que a vida tinha sentido: olhou-se no espelho com um certo apego pela sua juventude interiorana – amistosa nas noites embaladas do clube Palmeiras –, saiu dali um sopro de anima profunda. Abriu a porta do banheiro que dá para o bar e inspirou ar de forma a abraçar todos os prazeres da vida.
- Eu estou muito bem, meu filho. Não tenho muito o que reclamar, afinal eu estou no Rio de Janeiro, com todas essas moças bonitas que estão aí fora! Agora me diga, com o que mais posso me preocupar, não eh? Não era bem isso o que queria dizer pois, de um jovem livre nos campos da baixada, foi ao cárcere de um mero trombadinha na Lapa:
- Olha, meu companheiro, dá pra liberar o velho aí? Só estamos de passagem, não me agrada muito este bar!
O amiguinho do homicida, alguns graus bem acima, me irritava com a soberba em arrotar na frente de todos.
- Já cedi a cerveja ao teu colega, não dá pra reaver o parente?
Em seus últimos planos para ver algum sentido na vida novamente, seu Luiz implorava por um fim digno com uma conta mais gorda no banco, uma mulher jeitosinha como nos tempos do Palmeiras e ver a filha casar com outro cidadão que não comigo; quem sabe com um daqueles fazendeiros de Varre-Sai?
Saí sem que ninguém percebesse e fui ao passo do meliante que estava nas últimas de conseguir uma bem sucedida operação. Também porque precisava mostrar ao sogrão, de algum modo, meu ímpeto pela sua salvação, ou pela união da família:
- Eu queria pagar ao senhor o que lhe devo, aceita a carteira? A carteira em troca do refém? Pedi encarecidamente para que desse alforria ao seu Luiz já frustrado pela noite em pasmo: - Não tem polícia nesta cidade não!?
Subiu à cabeça do menino uma saída então mais cinematográfica:
- Eu nao vou liberar ninguém não. Vão ficar todos presos no banheiro! Ô Já é("Já é" era o nome do ajudante do criminoso), amarra esses otários aqui e coloca lá dentro, anda! Pelas tantas, o rapaz conseguiu juntar mil reais e meteu o pé para os lados da favela dos Prazeres. Só que tinha esquecido de um detalhe apenas: trancou o comparca junto com a gente dentro do banheiro!

Joao Vicente