sexta-feira, 14 de maio de 2010

Caetanadas

-Dan-


O Brasil tem um herói nacional no cinema, um único herói: Amacio Mazzaropi.
Para os que não conhecem sua história, o diretor foi um verdadeiro empreendedor do cinema. Vendeu sua casa, juntou dinheiro, fez filmes e dívidas, perdeu dinheiro, e nunca obteve qualquer auxílio oficial.
É o que se espera de um diretor de cinema, de um artista. Que corra riscos, que se aventure, e que até, sei lá, seja preso, como Jafar Panahi e outros bravos iranianos. Não é o que pensa Caetano Veloso, (se é que eu entendi direito, afinal, Caetano tem seu jeito...dialético de pensar). Em sua estreia como colunista do Globo, Caetano atacou Ipojuca Pontes, ministro da Cultura de Collor. Ipojuca foi responsável pelo fim da famigerada Embrafilme, cujos “trinta dinheiros” (apud Paulo Francis) compraram alguns dos bons velhinhos do cinema atual- L.C.Barreto e Cacá Diegues, entre eles. Caetano acertou quando defendeu políticas públicas que recuperem sítios históricos, como o Pelourinho e a Lapa. Mas continua com o vício de exigir que o Estado banque as veleidades artísticas de qualquer Sílvio Tendler, de qualquer Barretão, que, com o dinheiro fácil do governo, fazem lá seus filmes, sem qualquer retorno para o país. Ou, melhor, com um retorno um tanto negativo, afinal de contas, o que pensar de um país de cineastas apaniguados? O cinema nacional se desenvolveu na base da omertá, do compadrio. Caetano contribui para que nada mude. Seria melhor para o país se os novos cineastas seguissem o exemplo do velho Mazza. Vendam suas casas, seus carros, seus cachorros, suas mães.

segunda-feira, 29 de março de 2010

De conservar

-Dan-

Quem conhece o riscado sabe que Sir John Keynes, o economista, não era nem um pouco simpático ao socialismo, o que não o impediu de colocar, em sua equação de economia ideal, o Estado, como agente anticrise. A crise recente na economia mostrou o acerto dessa parte da teoria de Keynes, no sentido de preservar a economia capitalista. Outro economista, Schumpeter, demonstrou o potencial de destruição e criação da economia capitalista, que, para se perpetuar, se revolucionava constantemente (o que Marx já observara no século IX). E se até Marx observou que mudanças e inovações colaboram com a conservação, por que será que a igreja católica não aprende essa lição? O papa, que conhece sim o riscado, é um intelectual, e andou citando Marx. Sabe que, seguindo esse rumo, da conservação cega, sua igreja, em algumas décadas, se tornará uma seita. O celibato, que pesa sobre a igreja, e serve de guarida para homossexuais esconderem sua condição, é uma questão acessória, que fica longe dos fundamentos – dos dogmas da igreja, estes sim, inegociáveis. Se achar Marx muito radical, o papa poderia, pelo menos considerar a sensatez de seu correligionário, Santo Agostinho, que nos idos da Idade Média já aceitava interpretações diferentes sobre a Bíblia, desde que estivessem de acordo com o essencial, com os dogmas. Hoje em dia há padres celebrando shows, indo a comícios, falando em reforma agrária e, se bobear, há até padre no BBB. Mas casar, aí nem pensar.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

"10 Passos para Enriquecer"

Quando avistei o livro no alto da estante de uma livraria, meu impulso foi imediato: - Como assim? Deixa eu ver! Minhas decisões até agora não tinham me levado muito longe, o máximo que havia conseguido foi chegar em Búzios. Agora em apenas dez passos eu posso enriquecer. Quer dizer, eu nem preciso ir muito longe para isso.
Mas, aos poucos, contrariando todas as minhas previsões, prever o enriquecimento fez a vida perder um pouco a graça. Isso é um perigo imenso a um preguiçoso: imagina ele já saber o que é preciso fazer para enriquecer, vai deixar sempre para amanhã. É por isso que adolescente é preguiçoso: ele já sabe tudo! Ou acha que sabe. Achar que sabe tudo é muito importante, tão importante quanto achar que não sabe nada. Amadurecer é isso, é não saber mais nada. Porque depois de saber tudo, você vê que não sabe nada e, se quanto mais você sabe, menos sabe, meu deus, me dá esse livro de novo porque a vida tá muito complicada.
Não ter mais certeza de nada, nem do que estou lendo, me deixa com a corda no pescoço. O que era não é mais, quem era homem virou viado, quem é de esquerda vai votar no Serra, o que eu achava antes não acho mais. Dizem que, segundo Darwin, a única certeza da vida é a mudança. Mas pra onde? Se já prevemos tempestades, furacões, tsunamis, por que não consigo saber se vou ser rico daqui a uns dez anos? Daqui a uns dez anos eu não sei mas daqui a dez passos...
Ler tais livros como "os dez passos para qualquer coisa" tem apenas um lado bom: te devolve a noção de direção. Eu assim que peguei o livro na estante, perguntei ao vendedor se por acaso eles não tinham na loja um "como chegar ao centro da cidade em dez passos", ou alguma coisa sobre ganhar dinheiro sem trabalhar, como sair na chuva sem se molhar... O cara virou para mim, deu um sorrisinho e foi atender uma cliente que lhe pedia algo do Graciliano Ramos.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Uma xícara de chá para Boris Casoy

-Dan-

Sempre desconfiei do argumento de Lévi-Strauss, segundo o qual a cultura teria nascido com o incesto, e quem me confirmou as desconfianças foi ninguém mais ninguém menos do que Boris Casoy. O recente incidente envolvendo o jornalista e os garis demonstra como o tecido social se sustenta sobre uma camada fina, quase etérea, de hipocrisia. A cultura nasce com a hipocrisia.Admitindo-se que ninguém segue na prática o que reza na teoria, desde os freis carmelitas às senhoras burguesas de Nélson Rodrigues, resta uma conclusão óbvia – as teorias rezadas, os valores apaixonadamente professados e nem sempre cumpridos, aquilo que alguns beócios chamam de “falso moralismo”, é o que sustenta e civiliza as sociedades.Boris Casoy fez uma piada grosseira com dois garis, mas nunca teria dito o que disse, conscientemente, em público. Qual é o verdadeiro Boris, então? O privado ou o público? Muitos diriam ser o privado, por estar livre das “amarras da boa conduta”. Acontece que, na dimensão privada, todos somos meio monstruosos, e pouco importa se deitado em seus lençóis, falando com seus demônios, Boris, ou Jesus, ou Betinho ou Gandhi fossem facínoras e tivessem pensamentos cruéis e odientos. Suas obras (para ser bem católico) foram boas e eles, portanto, foram bons.O gracejo de Boris não foi exatamente um questionamento íntimo, nem uma divagação noturna, já que o jornalista tinha por objetivo compartilhá-lo com outras pessoas. Mas não pode ser tomado como uma declaração pública. Da mesma forma que as grosserias privadas de Lula (com os gays, por exemplo) não diminuem, vá lá, seus méritos políticos, as grosserias privadas de Boris não deveriam, também, ter o peso que alguns querem que tenha.É difícil não lembrar do já batido verso do poeta Auden: “The crack in the tea cup opens a lane to the land of the dead”. A fenda na xícara de chá, para o poeta, é o desmoronamento da pax britannica, da velha ordem hierárquica, que leva ao terror de duas guerras. No caso aqui em questão, a xícara de chá é a velha ordem hipócrita, sobre a qual a paz e a concórdia se assentam.