terça-feira, 29 de abril de 2008

Uma cidade e seus caminhos

Alem de essa ser a minha primeira viagem ao exterior, a primeira vez que moro ''sozinho'' ( as aspas sao porque eu tenho roomates), essa tambem eh a primeira vez que moro em outra cidade. E o engracado, se eh que posso chamar assim, eh que eu so me dei conta disso ha pouco tempo.Durante a faculdade de Comunicacao, eu li varios textos sobre ''a cidade'', sobre ''a metropole''. Agora eu entendo um pouco porque esse eh um tema tao debatido e estudado. Cada cidade tem suas idiossincrasias, seus misterios. E eh um desafio agradavel desvenda-los. Por exemplo, o Rio eh unico por ser um lugar que onde quer que voce more voce nao esta a mais de 20 minutos da praia. Isso eh fantastico.Aqui, eu nao sei como explicar direito, mas a cidade parece mais vertical. O sul eh longe da praia. Eh perto do Mexico, eh a area mais pobre de San Diego. Conforme voce vai subindo, voce vai beirando o litoral.Ate os pequenos detalhes sao legais de morar em outro cidade. Aqui os dois grandes supermercados sao o Ralphs e o Vons. A concorrencia entre eles eh feroz. Eles sao simbolos da cidade. Para mim, eles reprentam fases da viagem. Quando eu morava em DT, fazia compras no Ralphs. Depois, em Point Loma, era no Vons. Aqui em PB eh o Vons tambem.O shopping que bomba eh o Horton Plaza, ele eh ate cartao postal da cidade.Para ir para o trabalho eu tenho que pegar o 923 na Broadway sentido Ocean Beach. Para escola eh o 30 sentido Downtown. O onibus, claro, nao tem trocador. Voce compra o que eles chamam de "monthly pass" e so apresenta o cartao na hora de subir no busao. Mais pratico impossivel. Ou melhor, conveniente, como eh a palavra de ordem por aqui. O passe vale para o trolley tambem.Outra coisa que pude perceber, nas minhas divagacoes sobre "a cidade", eh que Downtown, ou o Centro, eh parecido em todo lugar do mundo. Aqui nao eh diferente. O Centro eh o lugar onde as pessoas trabalham, onde a policia eh mais rigorosa, voce tem que pagar para estacionar.Ocean Beach eh o bairro dos hippies. Voce sente marola qualquer hora do dia. La Jolla eh a vizinhanca mais chique daqui. Todas as lojas la sao fashions. Eh a area para os turistas. Onde moram os mais ricos tambem. Pacific Beach, onde estou morando, eh um pouco da mistura dos dois.Essas descricoes todas desta longinqua cidade podem nao fazer muito sentido aos que a esse texto leem. Mas, para mim, botar em palavras o que vejo diariamente tambem ajuda um pouco a assimilar e descobrir o que esses caminhos e os lugares a que eles me levam respresentam.

Permanentemente sem acentos e cedilhas,JulioSan Diego, Ca

sábado, 26 de abril de 2008

Hegel, as melancias e o apocalipse


Para o filósofo alemão Hegel, a história tinha um sentido, uma direção. O Estado Constitucional, por exemplo, seria o ponto de chegada inevitável de um processo histórico dialético que já teve formas intermediárias como o Estado monárquico e o tirânico. Pois bem. Pegue o Estado Constitucional e troque-o por Andressa Soares, a Mulher-Melancia. Ela é o ponto de chegada de um longo caminho evolutivo, a síntese definitiva de um processo complexo de bundas, péssimas músicas e muita, muita vulgaridade. Ela tem a maior bunda, canta a pior música e ergue sua própria futilidade como um troféu. Carla Perez foi uma etapa inicial desse processo histórico. Na linha evolutiva da vulgaridade, seria como uma espécie de neanderthal: uma bunda grande, porém, ainda um tanto inibida, e uma vulgaridade ainda incipiente a acompanhavam nos shows. A Feiticeira representou um estágio já mais desenvolvido da idiotização cultural. Peitos e bundas gigantescos fizeram dela uma grande estrela, ao passo que exibia sua ignorância faraônica em um programa de TV. Muitas outras representantes da evolução da cultura do ridículo e do mal-gosto foram surgindo, uma atrás da outra, uma mais inacreditavelmente vulgar do que a outra. Mas ainda podia se notar um tiquinho, um resquício de civilização nelas. A chegada da Mulher Melancia, porém, representa o fim dessa história. Ela é a queda do Muro de Berlim da nossa história da decadência- é o grande símbolo do fim da história da nossa chanchada cultural. Nada virá depois da Mulher Melancia. Lembra do Apocalipse, aquele livro da Bíblia que falava sobre o Juízo Final? Pois está lá: “...e, do mar, eis que se erguerá uma mulher de ancas monumentais, rebolando e levando a desgraça ao mundo dos homens”. Estava esperando o Juízo Final para torrar seus dólares? Aproveite! Fale tudo que quis dizer ao seu chefe também, pois o fim está próximo. Assim diz o profeta Daniel. Newton revolucionou o mundo quando uma singela maçã caiu em sua cabeça. Agora, uma nova revolução se anuncia, com uma enorme melancia caindo sobre a cabeça de todos nós.

-Dan-

terça-feira, 22 de abril de 2008

Bolsa-Consciência


Alguém havia me dito que televisão não serve pra nada, serve nem ao meu desejo platônico de informação. Mas são nestes pequenos eletrodomésticos que vemos as maiores atrocidades já inventadas pelo homem. A Guerra do Golfo, que inaugurou a era das chacinas televisionadas, foi marco na categoria "impossível que é verossimil". No caminho oposto, vem a frieza dos acontecimentos possíveis, porém, inacreditáveis.
O assassinato da menina Isabella veio ilustrar este nosso desejo de sentirmo-nos dentro de um thriller de Ridley Scott, não à toa somos pegos toda hora investigando os jormais à procura de provas, ou alguma notícia que retifique sua suspeição. Embora comum, o crime ganhou notoriedade já que tivemos um contato mais próximo com os suspeitos - o pai e a madrasta. Não vou cair aqui num lugar comum onde várias criancinhas, com ou sem pais, são mortas diariamente e de forma ainda mais brutal. O problema que envolve a tragédia se torna verossímil quando espetacularizado: é a criação do herói, ou heroina no caso de Isabella. Abraçada com o padre popstar Marcelo Rossi, Ana Carolina, a mãe da menina, tira fotos e, junto a outros artistas, posa para os paparazzi. A imagem da filha estampada numa camiseta passou a ser símbolo de torcida por justiça.
Confesso que peco um pouco quando o assunto é futebol, mas acho que a bandeira levantada quando o time está perdendo não pode ser a do Bope no alto de uma favela, nem a de uma criança no meio de uma missa. A bandeira da justiça social não é um panfleto. Muito menos folha de maconha. Tenho medo dessa moda de ter consciência social como os jovens de "Tropa de Elite", do motivo de celebrização pelas vítimas da violência.
Parece ser difícil de ver que justiça social - a principal demanda da sociedade capitalista de hoje - não tem um rosto a ser estampado, não dá pra virar embalagem numa prateleira de supermercado, ainda assim ter valor de mercado como outros projetos do Pálacio do Planalto.

João Vicente

domingo, 13 de abril de 2008

Pensando bem

Pensar não custa dinheiro. É uma pena. Se custasse, tenho certeza de que muitos pensamentos inúteis e estúpidos seriam evitados. Imaginem: a Consciência, uma senhora gorda e mal-humorada, a cada vez que você ameaça pensar algo, surge do éter e diz:- ô você! Passe pra cá os 70 centavos da taxa de pensamento. E os 30 da cerveja... Com certeza, aproveitaríamos um pouco melhor nossa capacidade de raciocínio, deixando de perder tempo com um montão de bobagens. Só damos valor ao que tem preço. Mas, como não é assim que acontece, na festa dos pensamentos, entra qualquer um. Nossa mente é como um show na Praia de Copacabana, onde a desordem e a confusão imperam. A taxa de pensamento poderia variar de pessoa para pessoa, de acordo com faixa etária, por exemplo. Os adolescentes poderiam ser sobretaxados, já que, normalmente, de suas cabeças saem as maiores barbaridades. As crianças poderiam ser sobre-sobre-taxadas. Pensamento seria, para elas, algo tão inacessível quanto os computadores antes do governo Collor. Nos sujeitos que crêem cegamente em um partido, igreja, sindicato, etc etc...., essa taxação seria um tanto inócua, já que estes simplesmente não fazem uso da faculdade da razão – apenas obedecem ao diretório central, ao Vaticano, ou seja lá o que for. Delegam a função de pensar a outrem, tal e qual os zagueiros, que delegam aos meias a função de criar. A grande e talvez única vantagem da gratuidade do pensamento é que a Consciência, aquela senhora gorda e mal-humorada, poderia fazer fortuna, pegar as malas e dar no pé, e aí, como ficaríamos nós sem ela?

-Dan-

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Um plano quase perfeito


(continuação do post anterior)

O objetivo era arrumar um jeito de entrar no apartamento da suposta artista para, enfim, investigar o local e pegá-la com a boca na butija. O plano se mostrou infalível: diria ser um erudito em artes que vira o trabalho de dona Alzira na casa de um amigo, o que despertou seu encanto, e com isso pretendia conhecer melhor suas peças de perto, bem de perto. Para a grande realização do plano, precisava de alguém que compactuasse com a empreitada, e este seria o porteiro. Não deu outra: conseguiu a adesão do funcionário, seu devido sigilo, e iniciaram a mão na massa.
Seu Ernesto agora era doutor Avelar, idôneo conhecedor das artes, que já havia viajado por todo o mundo, conheceu Europa quase toda, presente em todas as bienais, um ardiloso bigode postiço que guardava de algum carnaval e o tom mais grave da voz – e bem pausada – compunha a credibilidade do personagem. O porteiro ficou incumbido de espalhar pelos andares do edificio cartazes anunciando a chegada do marchant. Pegou papel e caneta e confeccionou alguns exemplares para o andar de dona Alzira, todos muito bem desenhados, o que daria a impressão de um evento em grande estirpe.
Já envolvido na trama, ele avisou pessoalmente à senhora dos planos de seu Ernesto - ops - Doutor Avelar. Um adendo a pequenos artistas locais que contribuiria para uma exposição muito bem sofisticada numa galeria ali perto. Ela, claro, sentiu-se estupenda, com aquele gosto de um trabalho bem realizado e que finalmente alguém entendera suas obras. Aos poucos, o plano por trás do plano ia vagarosamente sendo montado.
Marcaram um encontro na casa dela para as 13 horas. Pontualmente neste horário, toca a campainha com uma tossida meio classuda logo em seguida. Os dois pareciam já se conhecer de outrora, caminhavam pelos cômodos com muita desenvoltura, mas o que interessava mesmo ao doutor Avelar eram os vasos, os raríssimos vasos de cerâmica que a dona fabricava em seu apartamento. Analisava um por um, medindo as manufaturas com uma régua de pedreiro que tinha em casa para obras domésticas. Passou quase duas horas no local; tomou pelo menos dois cafezinhos, os dois descafeinados, e um pão francês com presunto, aliás bem quentinho e acabado de chegar da padaria.
Até aí nada de jornal, no máximo conversavam sobre as notícias do dia às quais, devido aos entretantos, não possuia ainda nenhum acesso. Apenas aos benditos vasos que dona Alzira oferecia. Mas um comerciante da linhagem de Avelar, com quem ela poderia confiar a abertura de seu ateliê, propõe uma investigação mais artística das obras em fase de maturação. Volta e meia perguntava com o que embrulhava o produto final, ou mesmo dentro do ateliê, onde não se via sequer nenhuma pista de jornal. Alguns, às vezes, apareciam nas prateleiras para onde seu Ernesto espreitava um rabo de olho malandro. Mas sem nenhum resultado.
Ao passo, ia se concretizando a infortuita ação a que se prestara. Já não aguentava mais aquela visita. Queria mesmo era ir embora e ver televisão. Foi quando que, de repente, por um intermédio divino, surgi uma voz bastante familiar ao fundo chamando seu nome, mas que seu Ernesto insistia em não reconhecer. Era o porteiro entrando apartamento adentro com o alívio saltando pelos olhos. Nas mãos mostrava um exemplar do jornal do mesmo dia com as inscrições “303” na capa: "Foi um agrura mas eu achei, estava na sua porta dos fundos, tava lá, ninguém roubou não...!"
O aposentado, diante do fato, então decidiu voltar para casa – já embuido das notícias – e passou a tarde se deliciando entre as páginas policiais do jornal.

Joao Vicente

sábado, 5 de abril de 2008

Alckmin é uma besta

Hoje venho aqui en passant, cheio de sono e preguiça. Hoje é dia de copiar e colar. Mas o lucro é dos leitores, que serão poupados das besteiras que escrevo, e lerão um trecho de um texto do mais brilhante blogueiro da web em minha funesta opinião. É Alexandre Soares Silva, cujo blog faz parte dos "Wünderblogs", um coletivo de excelentes blogs. O texto é antigo, porém atual. Lá vai:

Alckmin é uma besta

Claro que é. E vou votar nessa besta. Não tem problema, sempre votei em bestas – em Collor e Fernando Henrique e assim por diante.
Votar, por definição, é votar numa besta. Quem diabos vota feliz, vota empolgado? Voto em qualquer um para evitar Lula, de qualquer modo.
Me mandam denúncias contra o PSDB. Acredito em todas, e se não me mandassem nenhuma já tinha imaginado coisas piores de qualquer maneira. Mas que tenho eu com o PSDB? Que tenho eu com qualquer partido?
Eu estranho que existam pessoas que defendam qualquer partido. É mais ou menos como ir num bingo; não acho socialmente aceitável. Olha a cara dos deputados. Olha os ternos.
Escuta, não sei nos outros países, mas no Brasil os políticos todos têm mais ou menos o mesmo nível intelectual e social dos motoristas que vejo fumando na garagem quando vou levar minha cachorra pra passear. Até nos nomes: Ademar, Jair. Sou esnobe demais para gostar dessas coisas e acho que elevadores de serviço foram criados justamente para gente como Gabriel Chalita, o suposto possível Ministro da blá-blá-blá (me entediei antes de terminar a frase).
Vou votar no PSDB, mas não tenho dúvida que os dois partidos são feitos de gente burra, e que os dois são feitos de gente corrupta, e que os dois são feitos de gente socialmente inaceitável – você olha para a cara desses candidatos e sabe que são o tipo de gente que pede licença antes de entrar em casa e chamam pessoas sem diploma de médico de “Doutor”.
Mas o PSDB tem esta vantagem em relação ao PT: são burros demais para ter uma ideologia. São menos perigosos, porque são intelectualmente vazios demais para conseguir defender uma teoria que seja. O PT é mais perigoso. Por causa da ideologia, jornalistas e escritores e blogueiros e cantores de MPB e atrizes (nessa ordem descrescente de nível intelectual) não têm vergonha de defender o PT contra cada acusação de corrupção, abuso de poder e idiotice. Não existe a mesma coisa do lado do PSDB, cuja única vantagem é que ninguém que não seja diretamente envolvido com ele é fanático por ele. O que o PSDB defende? Coisa alguma, que é exatamente o que qualquer partido no mundo deveria defender.

(continua...)



-ASS- http://soaressilva.wunderblogs.com/

-Dan-

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Um grande escritor

Era um senhor avançado que escrevia seu último romance. Todos aguardavam o livro daquele que foi um dos maiores ícones da literatura brasileira. A idade impõe uma dura batalha contra a máquina de escrever – diz ser um “escravo da literatura”. A doença que enrijece suas juntas o obriga a fazer um esforço tremendo para premer as teclas negras da antiga máquina. Laudas são cuspidas com imensa sofreguidão. Talvez por isso que seu ultimo romance seja carregado de sentimentos. Tive a grande oportunidade de tê-lo como mentor. Estudei com afinco todas suas publicações e conheço profundamente seus personagens. Sei das angústias de cada um deles, seus sonhos e agruras.
Numa conversa que tivemos, confessou-me num tom grave que não agüentava mais as madrugadas perdidas com o lento parto do livro, acompanhado de uísque e maços de Malboro. Tínhamos uma relação de amizade e por algumas vezes pude, em silêncio sepulcral, assisti-lo criar histórias madrugada adentro. Enquanto ele digitava, movia os lábios e ria das próprias idéias. Eu o tinha como um avô. Sua senhora, zelando pela saúde do marido, volta e meia escondia os cigarros e a bebida. Nessas ocasiões nenhuma tinta tocava o papel.
A obra caminhava para o final e seu corpo dava sinais de convalescência. A cabeça, muito lúcida e audaz, funcionava, mas o restante perdeu-se no tempo. Desde o início de sua criação, há três anos, o livro o levou ao hospital uma vez a cada ano. E mesmo de lá, aquele ancião resignado, escrevia as laudas à caneta e entregava-me para que as redigisse à maquina. O medo da não conclusão do livro o corrompia e certa feita o vi chorar, poucos o viram. Num ensolarado de julho a brisa da Baía de Guanabara refrescava o Flamengo. Nesse dia ele não acordou para o café. E na cama, onde por décadas aconchegou-se junto à mulher, dormiu a eternidade. O obituário seguinte anunciava a morte de um dos maiores escritores do Brasil. Os jornais carregavam nas tintas sensacionalistas sobre o lançamento de seu último livro.
Em segredo, sua esposa me propôs algo muito estranho, uma idéia insólita. Ela pediu-me que escrevesse as laudas finais do romance interrompido. A opção pela minha pessoa foi porque sou considerado o melhor escritor de minha geração e também o que mais se debruçou sobre suas obras. Ela reforçou que não contasse a ninguém e que lançaríamos o livro como se o próprio falecido tivesse o concluído – era um desejo dele, revelou-me a viúva. Passei um ano buscando o melhor final, pensei em desistir inúmeras vezes. Para entrar em sua atmosfera, eu, que não gosto de uísque (prefiro um chope) e detesto cigarro, passei madrugadas atrás de madrugadas escrevendo a seu modo.
Enfim, consegui terminar e as pessoas foram vorazes às lojas. Em pouco tempo tivemos que rodar as segunda e terceira edições. O mais respeitado crítico literário da praça e também amigo íntimo de meu mentor escreveu crítica de página inteira no jornal. No texto dizia: “sem dúvida não foi sua melhor publicação em termos de enredo, mas com toda a certeza foi o melhor final que meus cansados olhos já leram”. Apesar do imenso orgulho, mantive segredo. “O que ganhei com tudo isso?”, ainda inquiro-me. O vício do cigarro e do uísque e a lembrança de um grande escritor.

Lucas

terça-feira, 1 de abril de 2008

O jornal e a escultura

(Esta história foi inspirada em fatos reais)

Poucas pessoas desconhecem o que é viver em comunidade, mas muitas delas estão quase perdendo o sono por causa disso. Foi o caso de seu Ernesto, morador de um antigo prédio de cinco andares na Tijuca, próximo ao famoso terreirão do Cardozo, nas cercanias do Maracanã.
Segunda-feira pela manhã, descia o elevador como era de costume para pegar o jornal na portaria. Fazia questão. Dava bom dia ao porteiro - um bom dia também ao zelador, que nesse horário se encontravam para o um cafezinho bem passado - os dois respondiam orquestradamente ao aposentado: "Bom dia seu Ernesto". E então caminhava ele até a porta para recolher o matutino, coisa que o acompanha religiosamente desde os tempos do Colégio São José, onde era diretor e para onde ia se sentar à sombra de uma daquelas frondosas jabuticabeiras para ler as notícias do dia. Porem, é aí que vem um impasse.
Os jornais já tinham devidamente sido entregues na porta de cada apartamento, um fato muito estranho, porque seu Ernesto fazia questão de descer até a portaria para pegar o seu, e todos sabiam muito bem disso. Ele só não contava com o novo vigia noturno, que aproveitou a ocasião para realizar um belo serviço na sua primeira semana e antecipou a entrega. O porteiro reiterou que todos os jornais foram deixados corretamente, inclusive o de seu Ernesto, porém algo havia acontecido no momento em que o bendito ficou ali a deus-dará, para algum outro espertalhão roubar. Já bastasse os serviços mal prestados pelo condomínio, a obra do vizinho da frente, agora seu inalheável e inprescindível jornalzinho matinal fora surrupiado na mão grande, bem debaixo do próprio nariz!
Num primeiro brainstorm calculava, junto ao porteiro e o zelador, os mendigos que circulam pela frente do prédio todas as manhãs, afim de fazer um levantamento da invasão. Contudo, concluíram que, deste modo, estaria tudo registrado nas câmeras - o que não se concretizou. E quem se arriscaria a roubar um jornal, um simples jornal? Somente o dele que havia sumido, logo o dele.
Indignado com a situação, seu Ernesto pensava e despensava quem é que teria ousado meter a mão no que é dos outros. Convencia-se consigo mesmo que tinha sido algum morador do edifício, não arredava o pé da decisão, e nesta altura do campeonato já possuía nas mãos uma lista com todos os que não eram assinantes. Suspeitos fortíssimos, afinal ir à banca comprar um determinado jornal não vale a pena quando se tem uma variedade enorme deles bem na porta de casa. Passou alguns minutos analisando a lista e descobriu uma senhora que fabrica pequenas peças de argila para revenda em sua casa, vizinha do andar de cima, a quem fez sem titubear uma ligação emergente no interfone:
"Dona Alzira?"
"Sim sou eu mesma, o que deseja?"
"Olha, a senhora não teria pego, por engano(sic), o jornal desta manhã que se detinava ao apartamento 303?"
"Que isso, meu filho, você está me chamando de ladra?"
"Não, dona Alzira, eu só queria me certificar..."
"Olha aqui, meu senhor, se o senhor não tem mais o que fazer ao inves de ficar me importunando, me dê licença pois eu tenho!" E bateu o interfone.
Aquela conversa suou em tom desanimador para seu Ernesto, mas algo lhe dizia a permanecer com seus pressentimentos irredutível. Para o aposentado, era ela o autor do crime: "Uma senhora que comercializa vazos - de cerâmica - deve precisar de um embrulho, no mínimo um forro para o chão do atelier." Foi duro pensar que seu querido informativo servira de pouso para pingos e mais pingos de argila molhada. Mais duro ainda foi pensar como ele iria arrumar um jeito de reavê-lo antes que ocorresse a primeira mancha. Foi quando teve a brilhante idéia. O plano que seu Ernesto arquitetava desvendaria toda verdade por detrás da escultura de dona Alzira.

(continua no próximo post)

Joao Vicente