terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Quem não chora, não mama!


Outro dia, saindo da praia de ipanema, fui pego de surpresa. Você deve estar perguntando se foi algum trombadinha passando de bicicleta ou o meu chinelo que havia esquecido na areia. Nada. De repente, me sai da esquina um bloco de carnaval. Encularrou-me na subida para o calçadão. Eu fico pensando: esses blocos deviam ter contagem regressiva para começar, com queima de fogos.
A pouco estava eu, penumbrado pela beleza étnica das ilhas cagarras logo a frente, um solzinho morno no começo da tarde, tomando aquele mate gelado. Tinha acabado de chegar de fora, logo, saudoso dos barzinhos, do rio de Jano, e, obviamente, da praia em frente lá de casa. Foi quando, trombones e tamborins ao fundo, me deparei com a realidade - aliás melhor metáfora para explicar a situação seria: "caí de para-quedas na realidade". O bloco já tinha começado a tempos, e iria terminar por ali, ou seja, ele nao ia passar. Meu pressentimento inicial se concretizou: estou encurralado!
Tentei, então, usar da sabedoria carioca - a alegria. Fingi estar animado e até entoava alguns cantos. O pior em cair de pára-quedas do lado de um bloco é ficar fora dele. Apesar de você estar em pleno senso do ridículo, o cantor-guia começa a te chamar para acompanhar o refrão da banda. Não contente, aponta um por um dizendo sua característica mais marcante: “vai gordinho”, “dança aí, vovó”. Com o pessoal do vôlei foi um prato cheio: enquanto jogavam, recebiam "análise da jogada" grátis do carro de som. Fora as pessoas que estavam dentro do bloco. Eu nao sei se é a aglomeração, a falta de oxigênio, ou a disseminação de comerciais de camisinha, mas muitas latinhas de cerveja não podem ser a causa deste descompasso humano que ocorre com o folião dentro de um bloco. Pior quando é perto da praia: ou lá vira banheiro químico ou "pensão de beira de estrada".
Mas eu não tinha como ir embora mesmo, pelo menos eles ainda estavam na calçada, e eu, mais agradável, estava na areia - bem perto do mar, quer dizer, dentro d'agua. Foi aí que lembrei do meu carro estacionado na rua: será que algum desses "músicos" pegou a tampa do capô pra batucar "Mamae Eu Quero"? É provavel, mas não quero pensar nisso agora. O sol está bom, a água ainda limpa. Bom, até aí tudo bem mas e o fim do bloco? Não vem, e antes que eu seja surpreendido novamente, vou andando pela areia em direção ao leblon.
Por sorte a vaga onde havia estacionado o carro era cara, e ainda tava lá quando eu cheguei, inteiro! Morri em 5 reais, o guardador falou que era “tudo nosso, doutor”. Mas a minha casa não. Era logo ali, e como havia sido sitiada pela muvuca, fui em outra direção: a contrária, para bem longe. Aous poucos o som do trombone foi se esvaindo, comecei a sentir uma brisa refrescante. No leblon, parei na primeira banca para comprar um jornal que me livrasse desses tipos de surpresas – afinal, quero acompanhar o carnaval sabendo onde estão meus blocos favoritos – e eis que vem a revelação: o jornal não informava nada sobre bloco de carnaval. Era um trio-elétrico.

Joao Vicente

Abracadabra!

Para os que, como eu, gostam de falar mal, de zombar e tirar um sarro de qualquer coisa, a música brasileira é um campo fértil. Todo dia surge uma nova banda, saudada por todos como “a salvação do rock” (rock lá tem salvação?), a “ressurreição do samba”, a “repaginação da MPB” , e por aí vai. A febre do momento (para além da amarela) é um tal “Teatro Mágico”, uma banda performática, que reúne malabaristas, dançarinos, palhaços, jogadores de cricket, virgens acorrentadas, ursos polares estrábicos e, finalmente, músicos!
O grande sucesso da banda começa com o singelo verso:

"O dia mente a cor da noite
E o diamante a cor dos olhos
Os olhos mentem dia e noite a dor da gente"

Pra quê Drummond? Pra quê Kant? Pra quê Mozart? O Teatro Mágico está aí, com sua sabedoria transcedental. Não pegaria no pé de alguém que canta “ foi um rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar”, porque, apesar de ser meio kitsch, meio brega, popularesco até, é honesto. Não há nesse verso o cinismo do verso teatromagiquiano. Não acho que a simplicidade é uma virtude, mas, cabe aos simples, fazerem coisas simples. O resto é conversa, é enganação. Paulinho da Viola nunca tentou passar algo além daquilo que é. Nunca tentou filosofar, não é um enganador.
O Teatro Mágico (nome tirado de um livro de Herman Hesse) se quer portador de uma mensagem, de uma profundidade filosófica que simplesmente não possui. Com suas letras enigmáticas, finge ser o que não é. Se você não entendeu o sentido do verso acima, é porque, de fato ele não tem sentido. É só um trocadilho infame.
Em outro verso, os camaradas parecem reconhecer que, à moda argentina, são muito menos do que pensam ser. Ei-lo aí:

Pra falar verdade, às vezes minto
Tentando ser metade do inteiro que eu sinto

-Dan-

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Livros, esses sacanas!

Livros são como atores que expõem suas verdadeiras faces no desenrolar da cena. Às vezes, mesmo com o fim do ato, você fica sem saber sua real personalidade. Livro tem personalidade sim, acreditem. Eles são poderosos, têm poder de ludibriar, falsear sensações. Desgraças tomam ares festivos dependendo do estilo da escrita. Quando li as histórias da ditadura e das passeatas estudantis de 68 no livro do Zuenir senti grande vontade de estar lá, participar daquilo tudo. O episódio que conta que o Vladimir Palmeira, o Franklin Martins e sua intrépida trupe de estudantes foram ao gabinete presidencial, alguns sem paletó, “desenrolar” uma passeata sem que houvesse repressão do Estado é sensacional. Li aquilo convicto de que se tivesse vivido aquela época teria jogado pedra nos policiais. Que lutaria, participaria de todos os congressos e manifestações, que seria militante contra aquela corja de milicos. A cada parágrafo rumo ao fim da publicação, minha vontade de ter vivido aquele tempo de sombras políticas aumentava.
Quando comentei isso com minha avó – estudante de direito nos anos de chumbo – ela teve um sobressalto. “Que loucura, meu filho! Você acha que a ditadura era oba-oba? Vou te emprestar um livro que vai te fazer mudar de idéia”, disse ela quase me riscando de seu testamento. Recebi um escrito por Dom Paulo Evaristo Arns, de capa vermelha de sangue chamado “Brasil: nunca mais”, que contém relatos de quem sofreu nas mãos insanas dos militares que acreditavam ser a tortura um requintado elemento dissuasão e obtenção de informações. As descrições são pesadas, dá medo. “Deus me livre”, foi a primeira e mais repetida expressão que emiti ao ler os relatos. Bati na boca e prometi nunca mais desejar ter participado daquela época. Só de ler o que era a “cadeira do dragão” (depois te empresto) vi que a repressão às passeatas eram fichinha perto do que ocorria dentro dos quartéis, onde os muros altos abafavam os gritos de agonia.
Sei que é um desrespeito aos que viveram aqueles tempos pensar que deve ter sido maneiro ser estudante nos anos de AI-5, de participar das passeatas e pichar “abaixo à ditadura”. Mas, involuntariamente, o livro do Zuenir me fez ter uma visão errada do que foi aquele ano, e do regime militar como um todo. É, amigos, os livros têm pernas e, vez ou outra, nos dão uma rasteira. Dessa vez eu caí de cara.

Lucas

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Sobre amizade e preconceito

Certa vez li um texto do Joaquim Ferreira no qual ele falava que escrevia frases que ele achava interessante, seja ditos populares, pichacoes, ou de autores consagrados. Antes de vir para os EUA, em um filme que nao lembro qual, li uma frase, que, pela primeira vez, e talvez motivado pela historia do Joaquim, me deu vontade de anotar. Achei que me seria util na viagem. Diz Assim: "Primeiro, voce ve as diferencas, depois, as semelhancas, a partir dai surgem as amizades". Hoje eu nem sei onde esta o papel onde anotei, nao preciso mais, ela fica na minha cabeca o tempo todo. Ela serve para todo o tipo de encontro, em qualquer situacao. Mas, especialmente, para conhecer pessoas de outros paises ela e mais do que essencial. A primeira reacao ao ver um coreano, por exemplo, e a preconceituosa. Parece um ser de outro planeta. Depois, voce ve que ele tambem eh humano, tem duas pernas, uma cabeca e tal. Ai voce ve que ele come, bebe, respira. Com o convivio e conversa, voce comeca a perceber que ele tem sentimentos, sente ciumes, sofre por um amor partido. Ate finalmente voce chegar ao ponto, de as vezes, esquecer que ele eh de outro pais e sem querer falar em portugues com ele.
Desculpe o cliche, mas quebrar barreiras e preconceitos nao tem valor.

Ainda sem acentos e cedilhas,

Julio
San Diego

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Notícias quentes de Marte

Eu acho que estou ficando louco. Não tenho o menor pingo de bom senso. Vai ver passei uma temporada em Marte e estou meio "out" do que vem ocorrendo por aqui.
Eu poderia explicar o motivo de minha perplexidade, mas como estava em Marte fico sem parâmetros para criticar a realidade alheia. No entanto, estou testemunhando um fato absurdo sem parâmetros na história. Lá pelos lados do meio oriente numa terra chamada de palestina existe um povo - os palestinos - os quais não têm terra. Calma, esta frase não é para soar literária. Antes fosse.
Pior: eles têm terra sim, porém são mantidos reféns dentro de muros que os dividem do resto do mundo. Logo aqui em Marte, um mundo globalizado onde, cada vez mais, se discute o internacionalismo. Ora, vamos internacionalizar a bolsa de Nova Yorque. Ou que tal: não internacionalizaram a luta contra o aquecimento global? Por que a gente não internacionaliza os problemas sociais do mundo?
A queda do muro, não o que estamos em cima, mas o de lá da faixa de Gaza, foi para mim como ter visto o gol do zico na partida do dia 27 de dezembro do ano passado. Aquela terra sempre foi deles, assim como a Califórnia sempre foi dos mexicanos - os americanos roubaram durante a corrida para o Oeste. Eu vibro, pulo do sofá, solto morteiro, cada vez que um cucaracha entra ilegalmente na Califórnia e sai correndo em direção a cidade mais próxima. Aliás, tinham me dito que o muro havia caído em 89. Qual é o problema? Achei que a globalização me dava o direito de ir e vir para onde quisesse. Mas não, ela só permite que um "cidadão", chamado ironicamente de presidente, invada um país e mate mais de 800 mil pessoas em nome da democracia. Esta nefasta democracia. Tem mais: este mesmo mancebo mantém um campo de prisioneiros políticos onde ocorrem execuções sumárias frequentemente. E ainda chamam o Cháves - que não invadiu nenhum país mas cancelou a concessão de um canal de TV - de ditador.
Será que eu tô em outro planeta? Devo estar - ainda bem - só assim pra continuar por aqui. Quer dizer, pra sair fora daqui. O problema é que eu vou ter que vender meu apartamento pra comprar a passagem do ônibus espacial. Bom, pelo menos eu vou me livrar do IPTU.

Joao Vicente

A lua e o pescador

A lua e as estrelas estampam o mar da madrugada. Os cães, a espera da cadela amada, ladram à solidão. O marinheiro acerta as velas enquanto o vento morno carrega seu saveiro em direção aos mistérios do oceano negro. O barco corta as ondas embalado por um samba antigo. A música ganha vida na voz triste e rouca do marítimo. Sozinho, ele sonha encontrar a sereia, torce para que ela leve-o para as profundezas do mar escuro, onde tudo é silêncio, onde dor não há, onde o perfume dos longos cabelos queimados pelo sal lhe fará conhecer o amor que tanto falta. Amor que ele não encontra nas negrinhas do cais, amor de carne e alma.
Ele chora a solidão oceânica e espera, dia após dia, o canto da mulher-peixe invadir-lhe os ouvidos. Seu samba assemelha-se ao ladrar dos cães angustiados. Uivando a exaustão, eles observam o amarelo da lua cheia abrir caminho no preto mar da noite. Caminho eterno aberto noite após noite. O desejo mais profundo do pescador, dos cães, dos poetas, dos boêmios chorosos e de todos solitários notívagos é que, algum dia, nem que seja o último das suas vidas, a lua deixe de ser sua única ouvinte.

Lucas

domingo, 20 de janeiro de 2008

Me dá um dinheiro aí!

Imagine que, por um súbito devaneio, você chegue ao seu pai e emende: "Olha só, ô pai, a partir de agora eu vou chegar em casa sempre depois de meia-noite porque cansei dessa vida medíocre, vou transformar meu quarto em um estúdio de fotografia e trazer várias modelos gostosas para um ensaio sensual, beleza?". Aí, como não tem nada de bobo, seu pai aceita os ensaios, mas diante de tal atitude imperialística, ele sugere uma ressalva: "Meu filho, quem é que paga as contas aqui?".
Na verdade é ele, mas o que uma coisa tem a ver com a outra? Simples. Quem tem dinheiro, tem poder. O negócio é que o poder está intrinsecamente ligado ao dinheiro. Vivemos em um mundo, pelo menos na parte ocidental dele, concebido sob a ótica capitalista-cristã. Onde a "salvação" se dá através do trabalho, e o fim de toda evolução espiritual está no material. A vitória deste tipo de pensamento se deu graças a um grupo de cidadãos chamados retoricamente de burgueses.
Inconformados com o ultraje sofrido por pagarem exorbitantes taxas tributárias, eles se revoltaram contra a nobreza da época que não despendiam um centavo sequer pois se gabavam do cargo de previlegiados do reinado. Compraram seus próprios exércitos e tomaram o poder, para o alarde de todos os camaradas que ficavam deitados na rede, só vendo o tutu entrar. Aí, claro, fizeram o que os outros faziam também, protegiam seus coleguinhas. Para não gastarem muito, resolveram inventar um tal de liberalismo econômico, onde todos podiam comercializar à vontade sem que pagassem nada ao leão. E ainda não satisfeitos, saiam dizendo a todo mundo que trabalhassem bastante, pois só assim poderiam desfrutar de uma estada em alto estilo perto do senhor Jesus Cristo, lá no céu, não na terra.
A terra ficava com eles para acumulação de riquezas e assim ter mais poder sobre as classes sociais inferiores, como o proletariado por exemplo. Aliás, esse negócio de classe social é outra tramóia desta turma. A sociedade antes era dividida apenas entre seus cidadãos e líderes. De repente, um bando de comerciantes espertinhos veêm no trabalho a redenção para seus problemas: "Vamos transportar esta estrutura social de líderes e subordinados para dentro da divisão do trabalho", criando assim classes sociais baseadas nas relações de trabalho. Aí, vem os assalariados, os funcionários públicos, os operários - estes com uma nova onda: o comunismo - entre outros.
E parece que colou essa idéia de que todos estão fadados a serem uma coisa só: um pescador, um empresário, um arquiteto, um escritor. Por que eu não posso ser um pescador-empresário-arquiteto e escritor? No capitalismo ou você muda ou sai de cima. O que se vê de irônico destino para nós é fruto deste processo hitórico: Industria cultural, terrorismo, comunismo cubano, recessão americana, China socialista de mercado. Ah, por falar na China, o I Ching, provável única fonte de sabedoria filosófica do oriente (alguém me avise, por favor, se tiver outra) tem uma característca muito interessante: A consciência humana não é formada pela matéria. Nem precisa ser expressada materialmente para sabermos que existe. Talvez seja por isso que os EUA, por serem os mais ricos, sejam um dos povos mais infelizes do mundo.

Joao Vicente

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Daniel, o telepata

O que pode ser mais insignificante do que um caderno de cultura? Talvez a seleção guatemalteca de futebol júnior ou o sindicato dos ascensoristas mancos de Araxá. Pensando melhor, gostaria de me desculpar com os guatemaltecas e os araxaxenses. Nada supera os suplementos culturais dos jornais em insignificância e mediocridade. Apesar de ter falecido há cerca de 40 anos, a imprensa insiste em afirmar que a cultura brasileira está viva e bem. A cultura é uma espécie de pensionista fantasma da mídia.
O grande fato cultural da semana (e das próximas também) é a greve dos roteiristas de Hollywood. Não sei se a greve é justa ou não, se vai acabar logo ou vai demorar, mas, sem dúvida, ela é bem mais interessante do que todos os filmes americanos da década juntos. Uma década inteira de greve poderia fazer muito bem a Hollywood, aliás. Oscar para a greve!
Fosse aqui no Brasil, a tal greve não teria efeito tão positivo, já que nosso filmes, todos horríveis, não têm espectadores. Seria como uma greve, sei lá, dos servidores do Ministério da Pesca – não mudaria nada no país. Daria, no entanto, notícias mais interessantes para os cadernos de cultura. Deve ser mais edificante ler as reivindicações dos roteiristas unidos do Brasil do que uma resenha crítica sobre a última obra-prima do Zeca Baleiro.
A esta altura, posso ler a mente de meu leitor nacionalista, que é fã do Cacá Diegues e acha super bacana o investimento da Petrobrás no cinema. Vamos ver o que ele pensa de mim: “canalha! escroto! babaca! *%&#¨# “. Usando um pouco mais dos meus poderes telepáticos, busco mais alguma coisa na mente de meu leitor nacionalista. Curiosamente, não encontro nada.

-Dan-

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Escrever

Quando escrevo driblo todos meus anseios. Idealizo personagem como eu gostaria de ser. Adiciono a ele tudo aquilo que me falta. Crio um herói. Faço isso geralmente à noite – quando os sonhos e demônios batem à porta da mente. Para transportá-los da fantasia para a vida no papel, trepo no muro das idéias e observo meus dedos baterem freneticamente no teclado que, por sua vez, chora sons ocos em ritmo sincopado. O resultado nem sempre é o esperado, claro. Mesmo que pretendesse, ainda não escrevi algo sensacional, admito. Algo que fizesse suspirar o coração mais gelado, que provocasse a reflexão do mais rigoroso intelectual, que enchesse meus bolsos de verdinhas.
Queria ser jornalista escritor, aquele respeitado em qualquer redação. Tipo um Veríssimo só que menos gordinho. Enquanto o caça-talentos não bate à minha porta prometendo publicações de êxito, contento-me com a vida de estagiário e calouro de blog. A frase anterior pode soar pretensiosa, mas como o sonho é gratuito pratico sessões de devaneio nas horas que o dia permite. Gostaria mesmo de escrever algo sensacional que as pessoas comentassem com seus amigos: “Ontem li uma história excelente”, e começassem a contar embalados por risos e suspiros emocionados. Gostaria de ser um puta escritor, um fera, um batuta, um pica grossa, um bamba dono de texto fluido como córrego e caudaloso feito o Rio Amazônas. Autor de um livro de 500 páginas incapaz de causar cansaço ao leitor. Queira escrever algo sensacional. Ah, mas quer saber: também não estou com essa pressa toda. Quem sabe um dia eu consigo. Por enquanto tá difícil.

Lucas

Um pequeno diálogo

- Danieeel...você prometeu não amolar mais seus amigos, familiares e leitores ocasionais com essas patavinas políticas sobre crises, CpI´s, escândalos, enfim, essas pequenezas típicas do nosso país...o João, o Bili, o Júlio e os milhões de leitores do blog precisam de crônicas frugais e divertidas sobre a beleza do RJ, etc etc etc...as cartas não param de chegar à redação, todas suplicantes, pedindo um bocadinho mais de leveza e descontração, pois de desgraças já estamos bem fartos. Não me diga que você quer meter o bedel de novo nas mazelas do governo, escarafunchar essa sujeira...deixa isso pro Globo, pra Folha, pro Estadão...eles que são brancos que se entendam, ou desentendam.
- Me entenda...estava eu aqui prestes a escrever uma linda crônica, daquelas para serem lidas ao pôr-do-sol em Ipanema, entre palmas e baseados, quando um novo escândalo brotou nas páginas dos jornais. Não é culpa minha. Vivesse eu, sei lá, na Escandinávia, poderia passar dias a divagar sobre o movimento dos barcos, sobre o sol-que-não-se-põe, sobre a aurora boreal...mas como posso deitar “tranqílo” na rede das delícias da poesia, se eles insistem em bater à minha porta? Eles, os políticos, os lobistas, os empresários, que todo dia tocam nossa campainha, só para avisar : “- Ei, otário, obrigado por tudo. Miami me aguarda. Fui!” . Tem gente, os cuca-fresca, que prefere não atender a campainha, não ouvir a provocação dessa gentalha. Mas qual a distância exata entre a cuca fresca e o miolo-mole? Eu atendo. Eu vejo esse bando rir da nossa cara e não consigo agüentar calado.
- Pois então...vai lá...qual é a sacanagem da vez?
- A compra da Brasil Telecom pela Telemar/Oi! É o maior escândalo da história recente de nosso país!! Pior, muito pior do que mensalão e sanguessugas juntos! Uma concessionária não pode incorporar outra! Está na lei! E a lei vai ser alterada em benefício de uma empresa, o que não acontece nem nas Repúblicas bananeiras africanas, nem no Haiti, nem..nem...ei...volta aqui, me escuta! Ô...você aí...espera...eu ainda não terminei....

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-Dan-

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

A Ciência da Amizade

A amizade é a busca incessante de você em outra pessoa. Ela é muitas vezes frustrante, mas também excitante e recompensadora. Esta busca, assim como a busca pela felicidade, é o que nos move pra frente, ponderando as dificuldades e unindo ideais.
Ao mesmo tempo em que procura algo no outro, você está também sendo incomodado, subvertido, contaminado por este outro. Nesta corrida de mão-dupla, por uma simples convivência, há diversas batidas. Não tem linha que separe, não tem sinal que interrompa. Amizade é profusão de personalidades. é terapia em grupo. Uma faca no pescoço da hipocrisia. Sem ela não seríamos o que sabemos que somos. Nós só existimos no outro, e a busca da amizade é também a busca do auto-conhecimento. "Diga-me com quem andas e te direi quem és", já dizia o filósofo.
Olhar o outro através do olhar dele é a chave da antropologia para estudar nós, o homo sapiens, animal que se destacou dos outros por causa de uma mutação que o fez dividir a vida em dois mundos: o mundo real e o da fantasia. Desta maneira, ninguém enxerga o mundo igual ao outro. Ele tem a sua particularidade, a sua visão de mundo. O que a Antropologia faz é procurar entender esta visão, de uma maneira isenta e profissional. Mas acontece que, assim como em qualquer trabalho, fica difícil dissociá-lo da subjetividade humana. Por isso muitos antropólogos aderem a esta subjetividade dentro do seu trabalho, assumindo estarem à procura da descoberta do outro dentro de si próprio. Ora, podemos dizer que isto se trata de uma amizade técnica entre o pesquisador e o objeto estudado. Quem disse que os dois não são contaminados um pelo outro neste encontro, ao ponto de se verem na outra pessoa?
Bom, realmente fica difícil nos eximirmos desta tarefa. A busca da amizade está intrísceca a convivência humana. É o que nos faz criar nossas famílias, lares. A qualidade da vida social de um grupo é medida pelo grau de relacionamento entre seus indivíduos. É óbvio que precisa-se haver inimizades, pois senão a busca não teria sentido.
É como uma colcha de retalhos que vai se formando através dos fios de cada um, dando lugar a um outro significado independente, mas que cada amigo olha e fala: "Este sou eu".

Ps.: Para os amigos que foram, que são e que estão por vir.

Joao Vicente

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

INEVITÁVEL

Por sugestão da minha superempolgada namorada Duda fiz meu primeiro trabalho voluntário. Ela e sua trupe de aspirantes a psicólogas desenvolveram projeto que prevê visitas mensais a um asilo com o intuito de alegrar a vida daqueles que estão muito próximos da curva da morte. Eu iria mais como jornalista do que qualquer coisa. Minha incumbência era filmar. Aceitei sabendo que minha participação não se restringiria ao registro.
A Duda planejou um baile com música, dança e brindes para inaugurar o projeto. Eu estava eufórico e apreensivo com a idéia. Fomos ao asilo e, recebidos pela madre Justina, começamos a enfeitar o salão de festas cheio de cadeiras e com uma mesa de biscoitos e guaraná no canto. Começamos a encher os balões e a cada baforada os velhinhos enchiam a sala. Uns vinham em cadeiras de rodas e uns andavam com dificuldade, amparados por enfermeiras ou acompanhantes. Havia também aqueles que as pernas eram fortes, porém a surdez ou a cegueira os castigavam. Colocamos a música e com cinqüenta participantes o baile começou. Incentivamos a dança prometendo brindes para os mais animados.
Eu que estava lá só para fazer o registro não fiquei um segundo atrás da câmera. Fui o primeiro a tirar uma senhora pra dançar, as meninas por sua vez chamavam os senhores. Ofegantes e alegres, os velhos davam gargalhadas, formavam pares, contavam suas histórias de vida, ganhavam brindes, comiam biscoito e se divertiam com a visita atípica. Entre uma dança e outra aproveitava para conversar com cada um deles. A atenção é um bem muito precioso quando se vive isolado da família. Os velhos contavam suas histórias e meu coração apertava a cada relato.
Durante toda a visita estive feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz por levar um pouco de alegria e atenção àqueles senhores e senhorinhas. E triste por constatar a violência que é envelhecer, na maldade que o tempo faz com a gente. O nó na minha garganta aumentou ainda mais quando entendi a solidão daquelas pessoas. Longe dos parentes, elas aguardam a morte torcendo para que seja indolor. Ouvi mais de trinta vezes a expressão “Deus te abençoe, meu filho”. Não sei ao certo como a vida me retribuirá pelo feito, mas uma coisa é certa, aqueles velhos fizeram eu me sentir melhor.
Há muitas incertezas nesse mundo. Muita discordância. Diferentes visões políticas, sociais, religiosas, ideológicas. Mas uma certeza coloca todos os habitantes do planeta como iguais: a certeza da Morte. Inevitavelmente, o ser humano vive em contagem regressiva desde o momento do nascimento, ou melhor, desde antes dele. O tempo tem efeito corrosivo sobre a pessoa. As feridas na alma vão cicatrizando e deixando marcas profundas no corpo. Foi numa conversa com a sempre entusiasmada em assuntos relacionados à psicologia e à vida e profunda entendedora da subjetividade, minha namorada Duda que abri a cabeça para a seguinte questão: simultaneamente, o tempo é gentil e cruel com o ser humano.
Gentil por que ajuda a superar traumas, cicatriza feridas na alma, dissolve mágoas, cura mazelas sentimentais e dores de cotovelo. O tempo mostra sua face cruel quando arranca rapidamente a juventude da pessoa, apodrece a carne morosamente, promove um genocídio de neurônios a cada novo ano, surrupia o bom desempenho dos olhos. Marcas e mais marcas aparecem no corpo e na mente simbolizando o prenúncio dela: a Morte. Há quem diga que não a teme, há quem sinta pavor só de tocar em seu nome, mas uma coisa é certa: ela é inevitável.

Lucas

sábado, 5 de janeiro de 2008

É preciso saber morrer

Rimbaud presenteou sua (a dele) mãe com um exemplar de seu ( dele) próprio livro, "Temporada no Inferno". Após a leitura, a senhora Rimbaud perguntou: - "O que você quis dizer com aquilo, meu filho?".
Não sei se ela descobriu o que ele quis dizer. Mas eu descobri o que ela quis dizer: " - Filho, que porra é essa?". O livro é, quase todo, inacessível, obscuro, indecifrável. Rimbaud é contraditório, confuso e muitas vezes abusa do nonsense. Aqui e ali, surge uma imagem bonita, uma metáfora interessante, mas não acho que Rimbaud mereça tanta veneração. No Orkut, sua maior comunidade tem quase 5.000 membros. A de Whitman, que foi mais poeta, tem míseros 1.707 pobres diabos.
Talvez pegue bem dizer: "acho Rimbaud o máximo!!". Ou, talvez, sua popularidade se explique por ser o poeta dos alcóolatras, dos vagabundos e dos desesperados. Quem aí não tem uma destas três qualidades?
Rimbaud parou de escrever aos 21 anos de idade e foi traficar armas. Foi sua atitude mais nobre. Pena que nisso, ninguém o quis copiar. Hoje, todo se dizem influenciados pelo poeta. Qualquer um, em qualquer bar, tem um verso rimbaudiano na ponta da língua, mas ninguém tem coragem de largar o osso. Michel Melamed, por exemplo, estaria disposto a deixar a poesia e um emprego estável na TV Lula pelo tráfico de armas? Pelo cargo de porteiro no prédio 255 da Rua Barata Ribeiro, Copacabana?

Dan

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Marujo de primeira viagem

Coveni^encia. Essa eh a palavra de ordem nos EUA. Eles fazem tudo o possivel para poupar seu tempo. Na casa onde estou, por exemplo, eles usam pratos e copos de plastico, apesar de terem maquina de lavar louca. No supermercado, as saladas ja vem prontas. Ha ate uma caixa que vem com a bolacha, o queijo e o presunto. Voce so tem de montar o sanduiche. A conveniencia, no entanto, nao foi o fator que mais me chamou atencao. O que realmente impressiona aqui na terra do Tio Sam eh o numero de imigrantes. Segundo o marido da minha tia, o Michael, sao 30% dos habitantes do pais. Eles fazem o trabalho que os americanos nao querem fazer. Nos restaurantes, por exemplo, absolutamente todos os garcons sao estrangeiros, na grande maioria, mexicanos. Aqui na Georgia, a populacao eh predominantemente negra. Eles nao se misturam com os brancos. Minha tia diz que o racismo eh enorme. Segundo ela, o sentimento deles eh de que os brancos lhe devem algo. Mas, ao contrario do Brasil, os afro-americanos aqui vivem, em sua maioria, muito bem. Voce os ve em carros luxuosos e muito bem vestidos. Nao ha mendigos, nem miseria. Dificilmente voce ve taxis ou onibus, ja que quase todos os habitantes da cidade tem carro. E voce precisa dele para fazer qualquer coisa. Parece Bras'ilia. Como eu imaginava, tudo eh muito bem cuidado e moderno. Outra coisa interessante eh que o preco dos produtos que voce ve nas estantes da loja nao eh o preco final do produto. Cada estado tem seu imposto. Aqui na Georgia eh 7%. Por exemplo, se determinada camisa tem o preco de U$ 10,00, voce vai pagar no caixa U$ 10,70. Eh um imposto unico. Talvez por isso, os produtos aqui sao inacreditavelmente baratos. Comprei um casacao de frio super moderno por U$ 28,00. No Brasil, seria no minimo uns R$ 250,00. Da vontade de comprar tudo. Ate para os nao consumistas como eu. A vida aqui eh facil, do ponto de vista financeiro, pelo menos.
As coisas estao indo really well, apesar de eu ter passado o reveillon vendo se um maluco iria conseguir pular uma rampa de moto, num evento do Red Bull. Ele conseguiu e todo mundo ficou decepcionado.
Que venha a Califa!

P.S. - Desculpe a falta de acentos e cedilhas, mas o teclado aqui eh diferente.

Julio
Enviado especial, Atlanta, Ge.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Edivaldo e Wanda

Estava viajando numa história e resolvi escrever um continho.

Edivaldo era guarda municipal. O mulato de cara risonha sonhava em se tornar policial, como não passara no concurso da PM, virou guarda. Ele desejava combater bandidos, garantir a segurança da cidade. Na guarda, seus algozes eram os camelôs. Vindo de família pobre do interior, Edivaldo não gostava de confiscar a mercadoria dos vendedores. Sentia pena dos trabalhadores e raiva da corporação, que o obrigava a tomar aquela atitude.
Copacabana era sua área de trabalho. Passava os dias ordenando o espaço urbano local e sentia orgulho disso. Naquele mesmo bairro trabalhava Wanda, uma fiscal de ônibus. Diariamente tomava nota dos ônibus que passavam por ali. Os dois se conheceram por obra do acaso. Wanda despertava o desejo de Edivaldo. Os cabelos ondulados, os lábios grossos e a carne morena atraiam o rapaz tanto quanto sua personalidade. Moça esperta do subúrbio, geniosa, malandra, vivida.
Edivaldo por diversas vezes a chamara para um café após o expediente. Wanda sempre recusava. Dizia que tinha homem em casa à espera. Despedia-se às 18 horas com um beijo no rosto brilhante e negro do rapaz e entrava na condução rumo ao subúrbio do Rio. Certo dia o guarda comprou um cuscuz e o ofereceu junto com todo seu amor. Wanda recusou o amor mas aceitou o doce. No entanto, disse que havia uma possibilidade de saírem juntos. Se ele pagasse um motel ela tomaria o café e faria muitas outras coisas. “Tem que ser motel de luxo. Se conseguir, eu levo o açúcar para adoçar nosso café”, disse atiçando ainda mais a imaginação interiorana do rapaz. Ele nunca havia ido ao motel na vida.
Sem dinheiro para o mimo, Edivaldo queimou neurônios para encontrar maneira de deitar com a morena curvilínea. O salário de R$ 490 mal dava para ajudar nas contas de casa e sua falta de esperteza restringia ainda mais suas possibilidades. Até que um colega de labuta lhe ofereceu a oportunidade ideal. Confiscariam toda a mercadoria do camelô mais famoso de Copacabana e venderiam para um cara da baixada. O rapaz não simpatizou, mas pressionado pela libido aceitou a proposta.
A ação foi um sucesso. O fruto da operação rendeu R$ 300, dinheiro suficiente para o motel. Edivaldo disse à Wanda que naquela noite seus corpos iriam se confundir na cama do motel mais chique da zona sul. Um misto de desconfiança e euforia tomou conta da moça que prontamente telefonou para seu homem e disse que naquela noite ela se atrasaria.
Na cama, a moça esperta e vivida mostrou-se bastante pragmática. Chata, até. Não fazia nada demais. Tudo que Edivaldo tentava era rechaçado pela mulher. “Não sou disso”, repetia sempre que ele tentava algo mais ousado. O rapaz esperava uma transa arrebatadora, mas o que ocorreu não chegava nem perto disso. Frustrado, o guarda acompanhou a moça até a saída do motel uma hora antes do período terminar. Antes de entrar na condução, Wanda lhe deu um beijo na boca e disse: “Da próxima vez eu libero mais coisa”.
A afirmação levantou o ânimo do rapaz, que imediatamente começou a arquitetar um plano para arranjar mais algum. Convicto de que o camelô mais famoso de Copacabana seria sua fonte de renda, Edivaldo passou a confiscar semanalmente a mercadoria do ambulante. A pena já não o consumia, na verdade até gostava daquilo. Quando uma ponta de remorso o invadia, ele pensava em Wanda e nas suas carnes negras tocando seu corpo.
E durante um mês, Wanda e Edivaldo foram ao motel diversas vezes e o sexo esquentava a cada episódio. O rapaz tímido do interior a dominava sem nenhum constrangimento. Wanda, por sua vez, não negava mais nada. Os dois passaram a viver uma paixão intensa regada à febre. O desespero por dinheiro fez com que Edivaldo fosse odiado pelos camelôs. O mais famoso de Copacabana, cansado de ter sua mercadoria confiscada, jurou vingança com um entranho brilho no olhar.
Certo dia, Edivaldo despediu-se de Wanda com um caloroso beijo na boca. A moça, da janela da condução, observou a silhueta do rapaz desaparecer na rua. Contente, ele aguardava a próxima ida ao motel. Ao virar a esquina, o camelô mais famoso de Copacabana, de tocaia, o surpreendeu com cinco facadas nas costas. O rapaz caiu no chão e ali deu seus últimos suspiros com vida.
Wanda nunca soube da morte de Edivaldo. Meses depois, a moça já se esquecera daquele período de idas ao motel. Um dia, parada no ponto, conheceu outro rapaz que lhe encantara pela malemolência e malandragem.
– Fala, linda. Meu nome é Gilmar.
– Sou Wanda – disse jogando o cabelo moreno.
– Você sabia que eu sou o camelô mais famoso de Copacabana?

Lucas