quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Uma xícara de chá para Boris Casoy

-Dan-

Sempre desconfiei do argumento de Lévi-Strauss, segundo o qual a cultura teria nascido com o incesto, e quem me confirmou as desconfianças foi ninguém mais ninguém menos do que Boris Casoy. O recente incidente envolvendo o jornalista e os garis demonstra como o tecido social se sustenta sobre uma camada fina, quase etérea, de hipocrisia. A cultura nasce com a hipocrisia.Admitindo-se que ninguém segue na prática o que reza na teoria, desde os freis carmelitas às senhoras burguesas de Nélson Rodrigues, resta uma conclusão óbvia – as teorias rezadas, os valores apaixonadamente professados e nem sempre cumpridos, aquilo que alguns beócios chamam de “falso moralismo”, é o que sustenta e civiliza as sociedades.Boris Casoy fez uma piada grosseira com dois garis, mas nunca teria dito o que disse, conscientemente, em público. Qual é o verdadeiro Boris, então? O privado ou o público? Muitos diriam ser o privado, por estar livre das “amarras da boa conduta”. Acontece que, na dimensão privada, todos somos meio monstruosos, e pouco importa se deitado em seus lençóis, falando com seus demônios, Boris, ou Jesus, ou Betinho ou Gandhi fossem facínoras e tivessem pensamentos cruéis e odientos. Suas obras (para ser bem católico) foram boas e eles, portanto, foram bons.O gracejo de Boris não foi exatamente um questionamento íntimo, nem uma divagação noturna, já que o jornalista tinha por objetivo compartilhá-lo com outras pessoas. Mas não pode ser tomado como uma declaração pública. Da mesma forma que as grosserias privadas de Lula (com os gays, por exemplo) não diminuem, vá lá, seus méritos políticos, as grosserias privadas de Boris não deveriam, também, ter o peso que alguns querem que tenha.É difícil não lembrar do já batido verso do poeta Auden: “The crack in the tea cup opens a lane to the land of the dead”. A fenda na xícara de chá, para o poeta, é o desmoronamento da pax britannica, da velha ordem hierárquica, que leva ao terror de duas guerras. No caso aqui em questão, a xícara de chá é a velha ordem hipócrita, sobre a qual a paz e a concórdia se assentam.