sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O Legado da Zona Sul

Desde seus primórdios, a zona sul do Rio de Janeiro caracterizou-se pela função residencial e pelo contexto social heterogêneo, pelas pessoas que chegavam atraídas pelos preços razoáveis dos lotes, pela praia e pela beleza paisagística.
Entre as camadas sociais que repartiam a região no início da segunda metade do século, preponderava a classe média, e tocou-lhe implantar, intuitiva e experimentalmente, um código de disciplina à sua conveniência, com normas um tanto ambíguas e eufemísticas para mascarar a supremacia natural decorrente de sua expressiva superioridade numérica, todavia sem as cláusulas peçonhentas e a arbitrariedade do appartheid clássico.
Esta acidez dissonante de cidade grande que chegava pela arrebentação, foi o que esculpiu a sociedade carioca nos dias de hoje. É neste aquário humano que convivem separadamente cada camada social da população brasileira, num microcosmos de absurdos e convivências que nos remete ao verdadeiro sentido da nossa historia.
Com a chegada da corte em 1808, trazendo consigo uma legião de nobres portugueses, muitos moradores foram obrigados a ceder suas casas aos forasteiros. Tais políticas permearam toda a monarquia brasileira que ainda não parecia ter amadurecido mesmo depois da formação de um Estado Nacional. Todos os projetos de interiorização, de formação de um mercado interno, de educação da população, vieram a enriquecer esta desconhecida elite que, destituída de traços brasileiros, julgava o povo como entrave aos seus "ideais".
Todos, sem exceção, foram bem sucedidos, desde a independência até a reformulação democrática de 89. Tudo na base do acordo, do jeitinho, sem rupturas, sem revolução. Ora, meus amigos, o Brasil é um país que deu certo, haja vista o que foi projetado para ele.
Somos nós, moradores da zona sul carioca, herdeiros dessa elite estrangeira e inescrupulosa que fez do Estado brasileiro uma panela de acordatas sem ideais, sem causas, sem futuro. Uma pendenga de disses-me-disses que se encerra em si mesmo.

Joao Vicente

Ética, dúvida, guarda, texto

Vivo uma crise existencial. Calma, o texto a seguir não é um desabafo complexo, nem peço conselhos para resolvê-los. É mais simples do que isso (ainda bem). Eu me considero uma pessoa civilizada. Não ando pelo acostamento, não furo fila, não imprimo folhas com assuntos particulares no meu trabalho. Por outro lado, baixo músicas ilegalmente no computador, não tenho o menor peso na consciência de comprar produtos piratas na Uruguaiana e, confesso, daria dinheiro para um guarda para não ter que pagar multa.
A questão que me atormenta é a seguinte: será que sou uma pessoa politicamente correta; ética? E quem vai definir isso para mim? Eu me considero uma pessoa correta, íntegra. Mas será que a minha avaliação é o que vale? Certamente, uma pessoa que dá dinheiro para o guarda não pode ser considerada ética. A questão é essa: a ética é relativa? Eu acho que sim. Mas admito que esse é um conceito perigoso, já que, por exemplo, o Dirceu pode achar ético comprar o Legislativo por um “bem maior”.
Eu sei que tudo que eu estou falando tem a ver com Lei. Dar dinheiro pro guarda, comprar o Legislativo é contra lei. Isso sabemos. Mas estou falando pelo aspecto ético, que ao contrário da Lei, é subjetivo; abstrato.
Enfim, esse é um texto tão confuso quanto a questão levantada. Espero que tenha ficado claro, pelo menos, a dúvida.

Júlio

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Mistérios do mar oceano

Depois de uma temporada na Alemanha para participar do seminário "Literatura e jornalismo", estou de volta a escrever neste humilde espaço.
Para início de conversa, não tenho nada a escrever sobre o seminário. Porém, voltei com algumas idéias revolucionárias a respeito da procriação das baleias no Mediterrâneo. Contudo, espero que escrever sobre as baleias não me torne um asno. As baleias do Mediterrâneo me ensinaram muito sobre o fazer literário. Escrever não nos acrescenta nada, apenas nos esvazia. É como se cada frase maestral, que por um conjunto de fatores seja considerada Literatura, saísse de mim como o ar sai das baleias.
Não sei se vocês sabem mas as baleias respiram ar e passam a vida inteira dentro do mar. Quase como eu. O que nos difere são as nadadeiras. E o que se vê jorrando pela cabeca delas nao é água, é ar. O ar fica preso dentro delas por muito tempo, quando sofre algumas mudanças e são expulsas daquela forma tipo jato d`água não é? Bom, elas têm uma respiração consciente, diferente de nós, e escolhem quando e porque respirar. De vez em quando até exalam na sua cara de brincadira. Mas quando estão tristes permanecem lá embaixo, no fundo do oceano, por muito tempo. Não dão uma respirada sequer e nem vão a superfície. Elas ficam lá no fundo, concentrando todo aquele ar atemporal para que, enfim, por um lampejo de devaneio, suba arrediamente pelo mar que a rodeia e se liberte, soltando aquela fina gota de oxigênio que se encontra com a luz do céu e nos chega aos olhos.
Enfim, eu não quero fazer Literatura aqui, seria muita pretensão minha. Mas se queres fazer Literatura, faça o seguinte: ao invés de escrever, nade com as baleias.

Joao Vicente

A Vitória do Gaiato

Acabei de assistir na TV a uma matéria sobre o Estatuto da Igualdade Racial. Não estou por dentro do assunto. Não pretendo me inteirar sobre o mesmo. É só mais um aborrecimento, mais uma notícia ruim, mais um motivo para querer embarcar no próximo ônibus espacial para Vênus.
Aí um gaiato gracejaria: - E quem te disse que em Vênus é melhor?
Quem me disse foram as sondas! As sondas, querido gaiato. Todas as sondas que sondaram a Estrela D`alva garantiram: não tem nada, não tem ninguém. É um desertão, um grande Saara redondo. Então, como não ser melhor?
O tal gaiato voltaria à carga: - Vai então, derreter no calor do verão venusiano!
Tudo bem, 700 graus Celsius não é brincadeira. Mas pelo menos o aquecimento global já chegou por lá. Não ficou nesse vai -não vai, nesse esquenta- não esquenta das bandas de cá. Todos os venusianos engajados já se evaporaram, para o bem do planeta.
E lá vem meu interlocutor, mais uma vez, louco pra estragar meu prazer, azedar minha empada, aguar meu scotch: - E se um vendedor ambulante conseguir entrar no ônibus espacial, desculpando-se por incomodar sua viagem e aproveitando para oferecer a pastilha Mentos em promoção?
Tudo bem, gaiato. Você venceu.


-Dan-

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Porteiro-mulher (porteira)?

O povo brasileiro se faz várias perguntas. “Quem matou Odete Hoitman?”; “O que acontecerá com o Jornal Nacional se o Willian Bonner e a Fátima Bernardes se separarem?”; “Quem será o camisa 9 da Seleção na próxima Copa?”, e por aí vai. Mas a questão que mais me intriga é a seguinte: Por quê não existe porteiro mulher? E se existisse, chamaria-se porteira?
Acho que quando eu vir um porteiro-mulher (porteira?), de uniforme e tudo, vai se equiparar à reação de ver um negro presidente dos Estados Unidos. Imagina a situação: “Pode deixar o cd aqui na portaria, com a minha porteira?”. Não saberíamos nem qual alcunha a daríamos.
Um argumento, quando conversei com algumas pessoas sobre essa questão tão importante para a Antropologia, para a Sociologia, e para todos os campos de atuação que pensem a sociedade, foi a de que os porteiros são uma espécie de seguranças também. Mas essa não colou muito. Primeiro, porque existem até mulheres policiais. Segundo, porque, cá entre nós, o porteiro, na melhor das hipóteses, em caso de assalto, vai acionar a polícia, coisa que a mulher também pode fazer perfeitamente.
Eu fiquei pensando, certa vez, se não seria por causa das idiossincrasias femininas, que ocorrem mensalmente e, talvez por este motivo, elas teriam que deixar a portaria de vez em quando. Mas acho que também é balela, já que as mulheres fazem de tudo hoje e os absorventes idem.
Há o argumento de que é um fator cultural. Esse eu concordo. Mas a cultura vai se transformando. Hoje temos casamento entre pessoas do mesmo sexo, mulheres presidentes, mas porteiro-mulher (porteira?), nada. Claro, há o contraponto, as empregadas domésticas são mulheres, mas aí eu acho que a justificativa é mais plausível, afinal, (desculpem-me as feministas) as mulheres, são desde sempre, mais cuidadosas com os afazeres domésticos. Mas, claro, nada é definitivo. Os homens já são, por exemplo, ótimos chefs de cozinha.
Enfim, eu tenho vontade de fazer uma matéria sobre isso, ou quem sabe, um filme, um livro, sei lá. Mas eu ainda tenho de desvendar esse mistério tão importante para...mim.

Júlio

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Procura-se

Hoje, na fila do banco, um senhor de meia-idade, típico fenótipo nordestino, vestido de uniforme de porteiro, comentava com uma senhora que um amigo havia passado por maus bocados na mão do MST, indo em seu fusquinha para o interior da Paraíba. A certa altura, o senhor já dizia que deveria-se "passar fogo naquela raça". Os apologistas do MST vivem brandindo armas contra a grande imprensa por esta supostamente criminalizar a priori os movimentos e cobrir parcialmente os acontecimentos. Não seria o caso também de brandir armas contra o porteiro da fila do banco? Afinal, ele é tão contrário ao movimento quanto a imprensa. Mais: se, afinal, o MST se define como a salvação para os miseráveis do campo e da cidade, por quê o pobre senhor, a exemplo de muitos outros pobres senhores, tanto odeia o movimento?Procura-se uma luta de classes. Eu, com a credibilidade de um já folclórico direitista, tenho uma forte suspeita de seu paradeiro. Ninguém vai levar a sério, já que sou um folclórico direitista, mas não custa arriscar: ela está para nós assim como Deus está para os fiéis que pagam o dízimo à Igreja Universal. Uma das características do subdesenvolvimento é essa: alguém fala em "Deus", "Justiça Social", "Igualdade", "Luta de Classes", e todos aceitam, acatam sem questionar. Estou pensando também em levantar uma bandeira politicamente correta para angariar uns trocados de uns trouxas. Salvação das baleias, dos índios, dos desdentados...qualquer coisa cola no Brasil.

Dan

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Sociedade do Medo

É impressionante como nós vivemos na sociedade do medo. Já estamos tão acostumados com ela, que, muitas vezes, no entanto, nem nos damos conta disso. Um exemplo concreto desse sentimento é a “profissão” do flanelinha. Não o uniformizado da CET-Rio, mas os flanelinhas, tipo aqueles da Lapa, que oferecem a vaga, como se fossem deles.
Você não paga o flanelinha porque você acha que realmente o cara vai cuidar do seu carro. Ou seja, você não paga por um serviço prestado por aquela pessoa. Se fosse assim, você pagaria na volta, ao se certificar de que o carro está inteiro. Mas, é claro, que ele não vai estar lá.
Você paga exclusivamente porque, caso se recuse a pagar, há grandes chances de que, quando voltar, seu carro esteja arranhado, com o pneu furado... Resumindo, você “morre” em R$ 5,00 porque você tem medo. É o mesmo sentimento ao dar um dinheiro, um relógio, um cordão, pro cara não te furar com uma faca ou te dar um tiro. O nome disso é assalto.

Júlio

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

O infiltrado

Ontem, a revolução russa fez 90 anos. Foi aquele episódio da história que culminou nos expurgos e extermínios de Stálin. A faculdade de Cinema da Uff organizou um evento para celebrar a data, uma "festa de aniversário" para a revolução. Recentemente, o Senado homenageou Che Guevara, a Câmara Municipal do Rio, por meio da vereadora Verônica Costa, a "mãe loura", homeageou meia-dúzia de funkeiros supostamente envolvidos com o tráfico e, agora, a Uff festeja a revolução russa. Proponho que a UFRJ louve, com um banquete ou um coquetel o bandido da luz vermelha e o Escadinha. Mas voltemos à Uff. Coagido pelo irrecusável convite da Bia, minha amiga-poeta, fui parar na tal festa. Do lado de fora, uma roda de alunos ouvia um líder estudantil, sotaque nordestino, barba por fazer, proferir seu discurso inflamado contra a reitoria. Dentro, o "Encouraçado Potemkin" e uma cadeira surpreendentemente confortável me causavam certo torpor. Não deu outra. Adormeci.
Passados 40 minutos, acordei, ao som da "Internacional". Um ripongo estranho dançava uma dança estranha no palco. Alguém falava alguma coisa sobre trabalho. Saí do salão e fui ver a lua, que, linda, refletia na Baía de Guanabara seu brilho de pálida beleza.


Dan

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

GULA

A fome é a única necessidade imutável, freqüente, recorrente. O tesão é passageiro, a alegria também, mas a fome não. Só não digo que é estática porque ela sempre volta, não adianta. Mesmo que você acabe com ela, amanhã estará de volta. Uma necessidade bem democrática por sinal, pobres e ricos partilham da mesma angústia. Você pode perder a visão, o tato, a audição, os braços, a cabeça, o dinheiro, o amor, mas a fome, a fome não. Ela sempre volta, maldita. O intelectual e o mendigo comem com os mesmos dentes. Essa necessidade animal é a que nos torna semelhantes.
Diferentemente dela, a gula é o pecado dos ricos, daqueles que sempre querem mais. O preço pela satisfação plena é caro. A pessoa pode estar empanturrada, mas sempre cabe a sobremesa, o chocolatinho, o pudim. Os restaurantes e gourmets agradecem aos céus pela invenção da gula. Se comêssemos apenas o necessário para nossa nutrição, o arroz, feijão e a carne seriam suficientes. Mas não. O ser humano sempre quer algo a mais, uma comida sofisticada, um cardápio elaborado. Mais um prato, por favor, mais um refrigerante, mais sal, mais açúcar, mais uma trepadinha,sempre mais, sempre.
A fome sempre volta, a gula é constante. A gula está em tudo. A ambição é a gula por um passo adiante, uma evolução rápida. Eu, como um glutão assumido sempre tenho vontade de experimentar o novo. Foi experimentando o novo que li o livro Clube dos Anjos, do Veríssimo. De uma sentada só, acreditem, engoli-o rapidamente. Coincidência ou não o livro é daquela coleção lançada há algum tempo sobre os sete pecados capitais, e adivinhem só, é sobre a gula. Sobre dez rapazes que perdem suas vidas, mas não perdem o prazer de comer seus pratos favoritos. Ele é um máximo, 130 páginas somente (por isso que consegui lê-lo de uma sentada só) e a linguagem é ótima e simples. As histórias se amarram e o final é bem legal. Bom, vou nessa porque já estou com fome, ou será gula, acabei de almoçar.

O glutão do Lucas

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Senhor Mercado

Outro dia comentei com meu professor que iria fazer um intercâmbio, ao que ele respondeu: “Muito bom! O mercado adora intercâmbio”. Achei engraçado. Não com o conteúdo da reposta em si, porque todos sabemos que experiência internacional é importante. O que mais me intrigou foi a forma: “O mercado adora intercâmbio”. Falou do mercado como uma pessoa; um chefe. Poderia ser substituído por “O Paulo adora intercâmbio”; “A Marcela adora intercâmbio”. O Mercado (com maiúscula mesmo) parece um senhor. Você tem de todas as formas agradá-lo.
O Mercado gosta de pró-atividade, curte várias línguas, é chegado numa experiência profissional anterior, admira pessoas multimídias... Os jornais hoje em dia dedicam, inclusive, cadernos exclusivos para ensinar como afagar o Senhor Mercado, que tem até idade: 214 anos, quando da instituição do mercantilismo.
O Mercado parece um tio distante que você vai conhecendo à medida do tempo. Mais precisamente aos 20 e poucos anos. É um tio um tanto quanto exigente e com certos requintes de crueldade. Mas é bom também você não atender a todos os seus caprichos, senão você corre o risco de virar um mero produto dele.
O Mercado parece uma coisa meio abstrata, mas não é. O Mercado vai determinar, entre outras coisas, o que você vai poder comprar no mercado.

Júlio