quinta-feira, 31 de julho de 2008

Aporrinhações de fins de semana


Domingão, Nelson decidiu levar a família para um passeio na Zona Sul. Saíram de Quintino, onde mora com a mulher, dois filhos e a cunhada, para Copacabana arrumar um almoço. Fim de semana é pra acordar tarde, somando o trânsito infernal da Avenida Brasil num domingo de sol e acabaram chegando tarde também no retaurante. Tá certo que o Opala ainda estava inteiro depois da viagem, mas achar uma vaga daquele tamanho acabou fazendo com que, no final das contas, arrumassem uma tremenda fila na churrascaria. Tentaram a primeira mas estava lotada, no mínimo conseguiriam uma mesa pro café da manhã do dia seguinte. Depois de andar uns dois quilômetros até uma outra mais perto, ganharam a senha de número 51 na espera.

- Kathyana, minha filha, tô quase desistindo. Vamos embora?

A menina, com uma cara mau humorada, não deu pista de que iria acatar. Saiu pra ver as vitrines enquanto os pais resolviam com a cunhada o impasse da espera.

- Garçom, não tem como agilizar pra gente não? Pode colocar nos fumantes.

- Olha, meu senhor, quanta gente fumando aqui. Isso parece um clube de poker.

O homem voltou-se para a mulher com uma cara irônica, ainda disposto a enfrentar todas as dificuldades.

- Que engracadinho ele, hein querida? Vou mostrar quem é que joga melhor aqui!

- Deixa, meu amor. Vamos esperar. Afinal ainda são duas da tarde, não estamos com muita fome assim.

Depois de muito esperar, de passar dois palhaços empinando bexigas para distrair as crianças atirando com pistolas d'água, de aturar um acidentado de cadeira de roda que passou a sua frente devido a comoção da esposa e um outro - este espertalhão - que, por engano, segurava a senha 64 entrando adiantado, ele protelou junto a recepção.

- Olha, isso é um absurdo. Eu estou há mais de duas horas nessa fila e ninguém me dá uma explicação desta demora toda. Um cara que chegou depois entrou na minha frente. Ainda por cima, mandam garçons destratarem os clientes.

- Meu senhor, calma. Esta churrascaria é uma das mais requisitadas da cidade. Ainda mais num domingo de sol como este.

- Eu não quero saber se é domingo de sol. Eu passei mais de duas horas no trânsito pra chegar aqui. Meus filhos estão famintos e eu quero uma mesa agora.

- Infelizmente ainda estamos no número 34, senhor.

Ele se segurou para não gritar, pois passar o domingo irritado não iria resolver nada, só antecipar o estresse da segunda-feira. Além da lei seca, a lei contra os fumódromos não veio a calhar ao bom humor dos cariocas. A curtina de fumaça na entrada do restaurante era cada vez maior. Não só por causa dos arrastões, mas também por culpa da lei, a calçada se transformou num verdadeiro perigo à saúde pública. A família toda estava quase tendo um ataque de bronquite na fila.

Volta e meia vinha um poeta, desses modernos, recitar uma de suas pérolas aos já impacientes amigos. Irritou muito, além do sem-vergonha se direcionando, cinicamente, a sua mulher. Falando não sei o que sobre Platão. O que levou Nelson a uma tentativa de homicídio com um prato de sopa na mão.

Já se passava das cinco e o recinto entupido não cedia nem uma cadeira, todas ocupadas. Viu que a firmeza e autoridade com que tratava os funcionários - ele que já foi militar - não iria muito longe ali. Talvez, quem sabe, com uma forcinha do destino as coisas possam fluir como a gente queira.

Numa de suas inúmeras idas ao banheiro, viu a lista de espera em cima do balcão dando mole. Tentou uma rabiscada de olho. Mas aí, chegou o garçom levando embora a prancheta a tiracolo, para que nenhum oportunista se aproveitasse. A mulher foi lá lhe perguntar, em meio a ação, o que era aquilo que estava vendo. Seu próprio marido dando uma de muleque frente aos outros.

- Mas o que é isso, amor? Voce está pensando em furar a fila do restaurante? Que absurdo, sai já daí, anda!

- Querida, nós estamos sendo burlados!

- Que mau exemplo está dando para os seus filhos.

- Vem cá, finge que está tendo ataque epilético!

(...)

Joao Vicente

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