quinta-feira, 10 de abril de 2008

Um plano quase perfeito


(continuação do post anterior)

O objetivo era arrumar um jeito de entrar no apartamento da suposta artista para, enfim, investigar o local e pegá-la com a boca na butija. O plano se mostrou infalível: diria ser um erudito em artes que vira o trabalho de dona Alzira na casa de um amigo, o que despertou seu encanto, e com isso pretendia conhecer melhor suas peças de perto, bem de perto. Para a grande realização do plano, precisava de alguém que compactuasse com a empreitada, e este seria o porteiro. Não deu outra: conseguiu a adesão do funcionário, seu devido sigilo, e iniciaram a mão na massa.
Seu Ernesto agora era doutor Avelar, idôneo conhecedor das artes, que já havia viajado por todo o mundo, conheceu Europa quase toda, presente em todas as bienais, um ardiloso bigode postiço que guardava de algum carnaval e o tom mais grave da voz – e bem pausada – compunha a credibilidade do personagem. O porteiro ficou incumbido de espalhar pelos andares do edificio cartazes anunciando a chegada do marchant. Pegou papel e caneta e confeccionou alguns exemplares para o andar de dona Alzira, todos muito bem desenhados, o que daria a impressão de um evento em grande estirpe.
Já envolvido na trama, ele avisou pessoalmente à senhora dos planos de seu Ernesto - ops - Doutor Avelar. Um adendo a pequenos artistas locais que contribuiria para uma exposição muito bem sofisticada numa galeria ali perto. Ela, claro, sentiu-se estupenda, com aquele gosto de um trabalho bem realizado e que finalmente alguém entendera suas obras. Aos poucos, o plano por trás do plano ia vagarosamente sendo montado.
Marcaram um encontro na casa dela para as 13 horas. Pontualmente neste horário, toca a campainha com uma tossida meio classuda logo em seguida. Os dois pareciam já se conhecer de outrora, caminhavam pelos cômodos com muita desenvoltura, mas o que interessava mesmo ao doutor Avelar eram os vasos, os raríssimos vasos de cerâmica que a dona fabricava em seu apartamento. Analisava um por um, medindo as manufaturas com uma régua de pedreiro que tinha em casa para obras domésticas. Passou quase duas horas no local; tomou pelo menos dois cafezinhos, os dois descafeinados, e um pão francês com presunto, aliás bem quentinho e acabado de chegar da padaria.
Até aí nada de jornal, no máximo conversavam sobre as notícias do dia às quais, devido aos entretantos, não possuia ainda nenhum acesso. Apenas aos benditos vasos que dona Alzira oferecia. Mas um comerciante da linhagem de Avelar, com quem ela poderia confiar a abertura de seu ateliê, propõe uma investigação mais artística das obras em fase de maturação. Volta e meia perguntava com o que embrulhava o produto final, ou mesmo dentro do ateliê, onde não se via sequer nenhuma pista de jornal. Alguns, às vezes, apareciam nas prateleiras para onde seu Ernesto espreitava um rabo de olho malandro. Mas sem nenhum resultado.
Ao passo, ia se concretizando a infortuita ação a que se prestara. Já não aguentava mais aquela visita. Queria mesmo era ir embora e ver televisão. Foi quando que, de repente, por um intermédio divino, surgi uma voz bastante familiar ao fundo chamando seu nome, mas que seu Ernesto insistia em não reconhecer. Era o porteiro entrando apartamento adentro com o alívio saltando pelos olhos. Nas mãos mostrava um exemplar do jornal do mesmo dia com as inscrições “303” na capa: "Foi um agrura mas eu achei, estava na sua porta dos fundos, tava lá, ninguém roubou não...!"
O aposentado, diante do fato, então decidiu voltar para casa – já embuido das notícias – e passou a tarde se deliciando entre as páginas policiais do jornal.

Joao Vicente

7 comentários:

Anônimo disse...

Que decepção, dona alzira...

Anônimo disse...

ahh, dona alzira!! por pouco não tornaras minha idala

Anônimo disse...

porra vcs queriam o q? q a dona alzira fosse agente da KGB?

Anônimo disse...

imaginei uma luta franca entre dona alzira e seu ernesto, onde o pobre senhor sai machucado devido a um armlock voador que ela lhe aplica decida a apropiar-se do matutino.

Anônimo disse...

decidida a apropriar-se do matutino

Anônimo disse...

eu imaginei sangue. O povo que sangeu joão!!! sangue!!!!

Anônimo disse...

"o povo tem fome e as criancas" (Ademir da Guia)