segunda-feira, 23 de junho de 2008

Lírios & Lembranças

por LUCAS

Um infortúnio levou-me ao cemitério bem no dia do meu aniversário de 22 anos. A coincidência morbidamente cruel não me pegou de surpresa, já que um ente querido convalescia no leito de hospital. Estava no ônibus a caminho do trabalho quando o toque alegre do celular invadiu meus ouvidos escamoteando a má notícia que se seguiria ao “alô” inicial. Derrubei algumas lágrimas e refiz-me a tempo de chegar ao meu destino: uma coletiva na Alerj. Além de receber a notícia, tive que olhar para cara de uns safados de terno e gravatas pretas discursando sobre alguma baboseira desmedida. Adiantei o serviço e liguei para a chefe, gaguejando, a fim de explicar o ocorrido – teria bolo e guaraná para comemorar o aniversariante do mês. Enviei todo o trabalho por e-mail e corri para o hospital onde jazia uma velhinha simpática que até hoje me faz muita falta.
Cobri meu coração com ferro para evitar que, no momento em visse seu corpo sem seu espírito, más lembranças me tomassem de assalto e me reduzissem a frangalhos. Atitude totalmente vã e tola: chorei copiosamente lembranças antigas, recentes e futuras (se é que é possível). Chorei a morte de quem ainda nem morreu. A propósito, a pessoa que deixou o mundo dos mortais justamente no dia em que completei meus 22 anos era a dona Diva, uma diva da simpatia anciã. Com seu corpo magrinho e seus comentários irônicos sobre a vida, a avó da Duda – minha amada namorada – se fazia presente nos almoços de sábado, alegrando-os. Acompanhei a Duda até o cemitério e foi lá onde as lágrimas correram com fúria caudalosa.
Cansado do turbilhão de emoções que estava sentido dentro da capela, fui para a parte externa do cemitério e pude ver a imensidão do São João Batista, com suas tumbas encrostadas no meio de Botafogo e sua escassez de árvores. Enquanto refletia sobre a insignificância da vida, percebi que um beija-flor muito negro e veloz bebericava o néctar do lírio de um coroa de flores, que ornamentava um caixão vizinho. Entristeceu-me ver que aquele animal retirava vida da morte alheia. Atitude igualmente praticada pelos coveiros e pelo pessoal da Santa Casa; que ganham a vida com a morte dos outros. Retesado, percebi que invariavelmente a dor de uns é o néctar de outros. Naquele momento, enquanto o beija-flor sugava seu alimento da flor da morte, tive a louca constatação que deteve de imediato minhas lágrimas: ATÉ NA MORTE HÁ VIDA.

ps: Decidi assinar o texto no início para destacar sua autoria, seguindo sugestão de um amigo. Dessa forma, os leitores não precisam ver no final da crônica quem é o responsável por ela. Acho que os colegas deviam fazer o mesmo. Sugestão dada. Abraços.

2 comentários:

Anônimo disse...

a morte, ou tudo aquilo que se faz pra evitar a morte, é o que nos faz viver. Sem o medo dela, não haveria civilização.

Anônimo disse...

tem duas coisas mt interessantes no texto. a primeira eh uma elipse mt interessante logo após "alô incial". a outra eh a melhor imagem do texto: a constatação interrompendo as lagrimas. mt bom! faz um conto bili porra, qd eu tava comecando a gostar vc acaba.