sábado, 3 de maio de 2008

O Porteiro


Trabalhar dia e noite. Era esta a sua função. Cuidava da portaria do sobrado Elvira, no Catete. Quando fugia a primeira nesga de luz no céu estava já a postos; descobria os carros na parte externa da garagem, preparava um cafezinho ao zelador, regava as bromélias húngaras da entrada e, de volta a portaria, cortejava o primeiro que saia do prédio. Tudo correndo como de costume e certo de que estava sob controle a vida de seus amasiados. Um olhar diferente, os fatos acontecidos durante o dia, nada rolava minimamente despercebido pelo porteiro, era seu trabalho e por isso que tinha, tintim por tintim, os escorços sempre à mão.
Vez ou outra acontecia o cataclisma: as coisas mudavam de lugar, mudava o horário, mudança de lei no edifício, e para ele era difícil. Sábado, dia de faxina, rondava o sobrado para averiguação que era um sacrifício, talvez um contrato mal acertado porque o cargo é de porteiro, nao é de fiscal. E voltava a semana assim como ele queria: ver o gordinho ora triste ora alegre do 102, a gostosa do 204, brincava com o cachorro, batia um papo com a faxineira do 101 quando saia pra feira e terminava o dia feliz com o bolinho das senhoras do 206. As coisas foram se configurando como a maneira mais fácil de aliar serviço e saciar a curiosidade. Desconfiava um tanto, porém, da moça do 203 – ao que me parece ser acima de certas suspeitas, mas passível de indagações. Na verdade, o seu laborio prescindia a desconfiança, afinal tudo que entrava no prédio passava pelas suas mãos, mas o toque pessoal dava mais charme a história. Somente um misto de poder e submissão poderia fazer dele um Ás na direção da portaria.
Certo dia a mocinha entrou. Abriu a porta para ela e nada, nem um obrigado, ficou olhando para a mulher com a cara assim estarrecida. No outro dia passa ela de novo sem ao menos um boa noite, ou quiçá um olá. Voltava do recital. A moça do 203 é cantora, mas acho que a música nunca a levou ao mercado publicitário. Dessa vez não abriu, deixou ela tocar o interfone para que dai houvesse uma desculpa de um assunto a ser dito. Nada. A mulher driblava a curiosidade alheia como ninguém; esta aí - ao que me consta - nunca vai ser famosa.
Pelo menos a correspondência ele podia controlar. Da notinha de rodapé no envelope ao remetente decorava tudo e, com medo da memória, passou a anotar todas as observações. Um estudo minucioso e aplicado que fazia dela sujeita a especulações, às vezes agradáveis, outras comprometedoras. Não era bem este o intuito de um porteiro, mas em se tratando da 203, ah, aí vale o desafio. Deu até pra sonhar com a dita cuja uma semana seguida, mesmo quando não dormia.
Numa tarde macia de domingo, ouve-se ao longe, ali pela garagem, pela parte dos fundos do prédio, uma voz bem calma e suntuosa, quase um sonífero. Viajou aos extremos mais obscuros da alma para identificar a voz como sendo a da moca pouco conhecida que morava no apartamento 203 daquele sobrado. Era uma fala muito bem articulada - parecia de uma deputada ou corretora de imóveis - que voava aos ouvidos como música, e continha todo o interesse que se criou em torno da qual a vida e seus mistérios eram mais saborosos. Vinha de algum lugar que não se soube no momento dizer, mas trazia das mais valiosas informações, muitas delas. Tantas que não demorou muito para que largasse a portaria ao relento e fosse em busca do tão sonhado encontro.
Quando ouve o prenúncio do fim da conversa, cede à tentação de uma abordagem à amada, quem sabe perguntá-la sobre a água encanada? Talvez oferecer limpar seu carro? Para ele, a moça já era quase um ente querido, surgia uma vontade imensa de interrompê-la, de apoiá-la, de fenecer a voz dela quando ria timidamente. Foi tomando coragem, prendeu a respiração e adentrou o recinto em que ela estava. Os olhos a procuraram arrediamente, esboçou um oi mas infelizmente já tinha entrado no elevador; sobrou-lhe apenas a fresta da porta se fechando. Inconformado, sentou e lamentou.
Mas tomou para si que não ia desistir tão rapido, era só esperar uma nova oportunidade. Passou-se alguns dias depois do desencontro para enfim preparar-se melhor. Então continuou a pesquisa: a cada dia descobria características novas da sua musa, mas ela própria que não aparecia há tempos apertava-lhe o peito de angústia. Embora outras pendengas reservasse a maioria de seu tempo, chegava até mais cedo no trabalho para investigar a moça do 203, os seus cabelos longos e como seria seu apartamento. Foi numa dessas rondas pelo sobrado para averiguar a limpeza que notou um ruído vindo do andar dela, e correu para ver o que era... (esta história continua semana que vem)

Joao Vicente

5 comentários:

Anônimo disse...

que misterioso ruído será esse?
sexo selvagem? uma invasão de unicórnios?

Anônimo disse...

sexo selvagem, eu aposto no sexo selvagem.

Anônimo disse...

ah porra, ai vcs tao esculhambando a historia caralho. quem sabe ela eh jogada da janela pelo pai e pela madrasta?!

Anônimo disse...

eu ouvi me chamarem?

Anônimo disse...

os laudos irao provar q ela foi jogada pelo porteiro