terça-feira, 23 de setembro de 2008

Casal

Ele mora sozinho. Ela mora com ele. Ele sai todo dia para trabalhar às 8hs. Ela prepara o café pontualmente às 7h30m. Ele, quase sempre atrasado, pega uma maçã e um pão. Invariavelmente, na correria, ele esquece alguma coisa. Ora a maçã, ora o pão. Ainda tem a chave e a pasta. Muita coisa pra lembrar. Ela acha graça de ouvir sempre o mesmo barulho: a porta fechando e logo em seguida abrindo, com ele procurando um dos quatro itens que carrega. Às 19h, ele está de volta. Quando chega, tem por hábito ouvir um vinil. Não é um cara assim apegado às coisas mais velhas ou que acha legal ser retrô. Prefere apenas o som do vinil ao disco compacto. Acha mais limpo. Sempre escolhe um diferente, dentro de sua vasta coleção. Ela fica ansiosa para saber qual ele vai escolher. Adora o que ouve.
Nos porta-retratos, ele lamenta um passado que não volta. Ela vê a coisa mais valiosa de sua vida.
Ela gosta de culinária. Todas as noites, por vezes acompanhando o livro de receitas de sua ida mãe, prepara algo diferente. Quando a comida está pronta, ela o chama. Ele nunca responde. Poucos minutos depois, no entanto, aparece à mesa. Quando come tudo, é sinal de que gostou da comida, para satisfação dela. Quando não, sabe que precisa melhorar; evoluir.
Ele sempre se deita antes, cansado que é da vida. Ela, a mais feliz das mulheres, curte mais um pouco a noite. Ao chegar ao quarto, a cena que nunca se cansa de ver: o rosto dele dormindo é angelical, a reconforta.
Ele mora sozinho. Ela mora com ele.

Júlio

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Blackwater em Teerã

Na fronteira entre um campo gelado
e o mar plácido de utopia
congela nas trincheiras da minha guerra
interna
o tempo tácito de um fugitivo

observo os carros varando
as falanges de zinco
prestes a invadir meu céu em cores
vibrantes 
de fogos de artifício
corro pela cidade
de tiros perdidos

Ainda que sem país - pois meu lar é como o rio
- espraia na foz da tarde o que sou de verdade:
um pequeno burguês suicida 
à espera do armistício.


Joao Vicente

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

ô ô, onde você vai com essa máquina aí?

Nada tão autoritáro quanto um liberal no poder. Agora que as falanges parafrentex estão representadas no ministério da saúde, pelo ministro Temporão, pode-se perceber exatamente que o projeto dos moderninhos, dos liberais, dos progressistas é de um autoritarismo tão vulgar e desavergonhado que custa a ser levado a sério. Temporão propõs a instalação de máquinas de camisinhas nas escolas públicas. Assim, sem mais nem menos. Sem consultar as famílias. Sem consultar os professores. Para agradar sua base (a bacanada liberalóide), o ministro vai ao encontro da grande maioria da sociedade brasileira, que, conservadora, condena o sexo precoce. Sobre o assunto, há uma ótima pesquisa recente do Datafolha, que mostra que o jovem brasileiro é, em sua esmagadora maioria, religioso, contrário ao aborto e à legalização das drogas. É provável que, se amanhã ou depois, todas as escolas passarem a ter as tais máquinas, nossa conservadora maioria silenciosa silencie e acate a decisão. É a tradição brasileira, do conformismo, da sabujice. Mas o busílis, o x da questão, é que uma família conservadora rica pode escolher a escola que mais se adeque às suas idéias. As famílias conservadoras pobres terão que engolir a seco as máquinas, se estas saírem do papel. Aproveitando-se da popularidade imensa do governo, a facção liberal impõe sua agenda impopular. Na surdina. Sorrateiramente. Os ministérios da educação e da saúde foram tomados pelo lobby dos ditos progressistas. É uma parcela representativamente ínfima da população, que se aboletou no poder, e, por um misto de inépcia e covardia, optou pelo caminho mais fácil e menos democrático de divulgar sua ideologia, sua visão de mundo: o da tomada dos aparelhos do Estado.

-Dan-

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O significante e o significado

Não aguentava mais sofrer de amor. Não aguentava mais sofrer por sofrer de amor. Não conseguia pensar em outra coisa senão a dor do amor, que existiu intensamente. É difícil contar um histórica tão trágica em palavras. É melhor quando as palavras ao invés de contar uma história a substituem. O que lhe doía mais era a o verbo existiu, assim no passado. Queria substistituir a última vogal para o verbo voltar a ficar no presente. A substituição, no entanto, não cabia só a ele. O que estava à sua autonomia era extraí-la. A fez. Mais um que morre de amor.

Júlio

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Refexões a partir de um João

Eu sei que o assunto que se segue chega uma semana atrasado, mas permitam-me a regressão. João Gilberto é, definitivamente, uma figura peculiar. Não consigo me lembrar de outra "celebridade"que não conceda entrevistas. Atualmente, na sociedade midiática, é impensável que uma personalidade (acho que é sinônimo para celebridade, na verdade, as duas palavras são superficiais, como o termo que definem) não fale com a imprensa, não dê um pitaco sobre política, ou meta o dedo na escalação do Dunga. O João me leva a pensar duas coisas. Distintas e intrigantes. A primeira me remete a uma professora na faculdade que disse em sala, certa vez, que as pessoas podem chegar ao orgasmo por outros meios, que não o sexo. Os alunos rimos. Ela se explicou melhor. Não é o orgasmo físico, ejaculaçao, para ficarmos no termo mais polido. É um orgasmo, no sentido, de êxtase. O exemplo dado, foi o de um pianista com uma soprano. Entre eles, depois de tantos ensaios, quando se chega à perfeição, a satisfação dos dois com a música e o momento é plena. O João trata a música como sua obra, sua arte, seu êxtase. Não gosta que falem nos shows para não atrapalhar a obra, porque para ele, naquele momento, não é ele o protagonista, muito menos a platéia mas sim, a música. O que sai de sua voz e seu violão. Isso, na verdade, eu deduzo, já que ele não fala.
A segunda reflexã0 partida de João é a seguinte: pra que ele precisa falar? Eu, honestamente, não tenho essa necessidade de ouvir ele falar. Pra falar sobre o quê? Sobre a política externa, sobre o Lula, sobre o Pré-Sal, sobre por que não gosta de falar? Não precisa. Imagina, o João finalmente dá uma entrevista e conjuga os verbos errados, fala que é Flamengo e que queria a volta da ditadura. Não precisa.
Fico imaginando se um jogador de futebol, por exemplo, faz o mesmo. Informa que não fala com a imprensa simplestmente porque não tem o que falar. "o interessante em mim é o meu jogo". Não é mesmo? Às vezes, nem isso...

Júlio
de volta

O apartamento 203

Num piscar assim em pasmo
de olhos ao espanto
bateu a porta ao lado
aqueles belos cabelos ondulados.

Nao que tivesse olhado
ou mesmo tentado
tirar a atenção da minha porta
abrindo.

E vendo seus modos
de cobrir os olhos
sorrindo
volto ao meu estado calado
ainda escuros reparo
os voados cabelos lisos.

Tento um approach estabanado,
ganho no máximo um olhar tímido.
Paira então a dúvida entre uma vida casado
com mulher e dois filhos
e um alívio imediato
ao entrar em meu apartamento vazio.

Joao Vicente

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Bank of Buda

Tenho certa dificuldade em entender alguns ismos, leia-se: budismo, taoísmo e todos estes orientalismos, acredito que pelo caráter altamente abstrato e especulativo destes.Assim como um lutador de jiu-jitsu, que sempre procura levar o adversário para o chão, sua especialidade, eu procuro também trazer essas correntes filosóficas para a vida concreta, para o cotidiano, para o chão. Sou o Walid Ismail da filosofia. A noção budista de que só o presente importa, por exemplo, para mim traduz-se nos juros do meu cartão especial. Se eu fosse menos budista, não gastava aqueles 100 reais no bar. Mas o valor que dou ao presente me tornou um budista, pior, um budista falido.Já o significado do Tao é, por definição, inalcançável. Diz lá no famoso livrinho:”.........................” , ou seja, buscar a compreensão deste troço é o mesmo que enxugar gelo, apostar corrida com a própria sombra ou...quitar as dívidas no banco. Ler “Orientalismo” de Edward Said, da mesma forma, só me gerou dúvidas: “como pode alguém cair nesse papo-furado?” “Como consegui chegar à pagina 120 dessa porcaria?”. Para a teoria do livro, de que o ocidente é o grande culpado pelos males do mundo, pela violência do Irã, pela brutalidade dos grupos terroristas, etc e tal, só pude encontrar um paralelo na minha humilde cabeçola ocidental. É quando coloco a culpa sempre no outro, isentando-me de qualquer responsabilidade sobre meus atos. Assim como Said demoniza a cultura ocidental, eu costumo sempre demonizar o gerente do meu banco, os juros escorchantes, os caixas eletrônicos (aliás, malditos caixas eletrônicos!!!), tirando sempre de minhas costas o peso incômodo da incompetência para gerir minhas finanças.

-Dan-